Espiritualidade cristã e identidade crente nas culturas juvenis (II): o cristianismo e o ressurgimento da espiritualidade
Teresa
Messias*
"Espiritualidade" é um termo
abundantemente usado, nos mais diversos contextos e áreas de estudo, muitas
vezes de modo ambíguo e com um sentido e significado pouco preciso. Designa
realidades ou dimensões da realidade distintas segundo o âmbito ou área de
aplicação em que é usado. Neste nosso contexto cultural contemporâneo, em que a
noção do sagrado e a sua busca se deslocam muito para além do espaço das grandes
tradições religiosas, a emergência e o uso generalizado do termo
"espiritualidade" revelam a consciência de uma particular necessidade humana de
realização que acontece num nível profundo e existencial. Tal necessidade vem
sendo sentida, emergente desde áreas académicas muito distintas entre si tais
como a Psicologia, a Medicina ou Enfermagem, a Antropologia, a Sociologia, a
Ecologia, para além da Teologia e da grande área da Religião (Teologias e
Ciências das Religiões).
"Espiritualidade" é, portanto,
atualmente, um termo usado de modo abrangente para designar, sobretudo, uma
dimensão pessoal de abertura radical e global, implicando as várias dimensões da
pessoa, a uma realidade outra, pressentida, experimentada ou conhecida como
fundamento e sentido para a vida, difícil de definir. Este regresso da
"espiritualidade" e das "espiritualidades" é um dos frutos da cultura
pós-moderna que persiste. "As pessoas pós-modernas", afirma Peter R. Holmes,
"estão agora olhando para além da religião para a sua espiritualidade". Outro
modo verbalizar esta mutação da sensibilidade na busca de Deus revela-se, no
entender de Paul Heelas, na seguinte constatação: "a religião está a dar lugar
ao espiritual". Tal afirmação verifica a deslocação da busca do homem por uma
realidade fundante desde as formas estruturadas ou institucionalizadas e de uma
prática regular e regulada, para o território da interioridade, da busca e
realização de si (do self), da flexibilidade de formas e ritmos, onde
ocorre a revalorização da emoção, do afeto, da corporalidade na abertura ao
transcendente, numa composição eclética de formas, ritos e práticas.
A espiritualidade cristã não
rejeita nem despreza a importância e relevância desta noção ampla de
espiritualidade entendida como abertura humana básica existencial, sensível,
afetiva, mas também intelectiva e racional à busca de sentido e à relação do
sujeito consigo mesmo e com Deus. A tradição cristã vive-a, redescobre-a e
propõe-na, em todas as geografias e culturas justamente deste a categoria de
experiência existencial, desde a relação com a Pessoa de Jesus Cristo vivida,
discernida e transmitida por pessoas concretas.
A espiritualidade em
sentido amplo face à espiritualidade cristã
O adjetivo "espiritual" ou o
substantivo "espiritualidade" usados em contexto do crer cristão referem-se,
como não pode deixar de ser, ao processo e à experiência humana e ao modo como
esta se abre e amadurece numa relação de confiança, aceitação e entrega à pessoa
de Jesus, morto e ressuscitado, dador do Espírito Santo. É o acontecimento ou
mistério de Jesus Cristo e o agir do Espírito Santo, como Dom supremo, Amor que
se comunica ao ser humano e nele atua, que confere o novo predicado de
"espiritual cristão" a qualquer pessoa e faz da experiência implicada neste dom
uma "espiritualidade cristã". No entender de Luís Rocha e Melo "homem [ou
mulher] espiritual é aquele que aderiu a Jesus Cristo e acolheu a transformação
operada pelo Espírito Santo" e "é espiritual, na perspetiva cristã, tudo o que
vem do Espírito Santo; tudo o que vem do Espírito Santo, por outro lado, é dom
para o homem."
No horizonte da espiritualidade
cristã está portanto:
a) não só tudo o que favorece a
abertura humana à busca de sentido, à possibilidade de uma relação com o
transcendente, mas ainda
b) a concretização dessa busca na
relação com Cristo (o homem em quem o transcendente se faz concreto e encarnado,
acessível e humanamente partilhável), vivida como processo de transformação
pessoal, progressiva e contínua que une a Deus e aos outros,
c) uma experiência de comunhão com
a Igreja como comunidade crente,
d) enquadrada pela Sagrada
Escritura e por uma tradição,
e) caracterizada por contexto
biográfico e temperamental, histórico e sócio-cultural específico,
f) um modo ou estilo concreto de
viver, de atuar e de relacionar-se consigo, com Jesus e com o mundo (estilo
próprio ético-moral de seguimento de Jesus).
A espiritualidade cristã, ao
contemplar a presença de um apelo e uma busca de vivência de uma espiritualidade
em sentido amplo, vê neles uma oportunidade para propor Cristo, para orientar
uma tal busca para Cristo no respeito pela liberdade de consciência de cada
pessoa.
----------------------------------------
*Professora na Faculdade de Teologia da Universidade Católica
Portuguesa
In Communio 2012/1
In Communio 2012/1
Nenhum comentário:
Postar um comentário