sábado, 18 de outubro de 2014

" A afetividade deve ser um requinte de qualificação do médico "

J.J. Camargo

J.J. Camargo: "A afetividade deve ser um requinte de qualificação do médico" Edu Oliveira/Arte ZH
Foto: Edu Oliveira / Arte ZH
A ambição por reconhecimento e sucesso profissional é o colírio incandescente nos olhos dos alunos em qualquer curso de graduação. Quem interage com estudantes, percebe essa energia que alimenta os cérebros jovens, ávidos de tudo. Com a imensurável riqueza de informações e a instantaneidade de conhecimentos renováveis, capaz de tornar obsoletas as informações há pouco consideradas definitivas, impõe-se que o verdadeiro professor tenha sensibilidade para entender que seu papel mais relevante é formar, antes de informar. Como a escola médica não pode ser diferente das demais, a Academia Sul-rio-grandense de Medicina resolveu organizar um simpósio para discutir: “Que Médico Devemos Formar?”.
Ouvidos oito diretores das principais faculdades gaúchas, ficou claro que ainda não estamos seguros da resposta e que, atrapalhados pela avalanche de queixas e demandas, não temos um juízo definitivo sobre o melhor modelo de estudante de Medicina. Na peneira das sugestões, pareceu simpática a proposta de que o médico que devemos formar não poderá prescindir, sob nenhuma circunstância, do seu humanismo exercitado na capacidade de doação, de se comover com o sofrimento alheio, de não se conformar com suas limitações, e de o aliviar, obsessiva e incondicionalmente. Mas houve quem defendesse uma formação médica baseada em qualidade e obcecada por excelência como única resposta das escolas médicas aos movimentos governamentais na área da saúde. Nessa proposta, a interface com ciências humanas foi considerada dispensável.
A necessidade de acompanhar o ritmo alucinante do conhecimento foi realçada pela observação de que a faculdade deve oferecer aos estudantes os instrumentos imprescindíveis para que sigam, pela vida toda, na busca da educação continuada.
Com a preocupação de tornar a medicina mais igualitária, pareceu prudente a sugestão de que a escola médica deve, fundamentalmente, formar profissionais capazes de cuidar de nossas famílias. Li e reli os resumos das apresentações e fiquei com a sensação de que apenas tangenciamos o problema, porque o aprofundamento da questão tornaria imperioso que confrontássemos o modelo que as escolas, bem intencionadas todas, estão formando, e o que os pacientes pensam desse produto lançado no mercado, cada vez mais aos borbotões.
É inegável que os profissionais brasileiros graduados neste século sabem muito mais medicina do que seus antecessores, mas se os pacientes idosos falam com nostalgia dos médicos de antigamente, e os doentes mais humildes louvam a assistência oferecida por precários técnicos em saúde importados do Caribe, então precisamos admitir que, em algum ponto, perdemos o compasso, e que, provavelmente, só o resgate do humanismo nos redimirá. A formação técnica no limite do conhecimento deve ser exigida por cada escola que se proponha a colocar no mercado de trabalho pessoas para serem reconhecidas por competência. Menos do que isso é fraudar a sociedade que, de alguma maneira, custeia a formação desses jovens e não merece receber em troca arremedos incompetentes do médico que imaginamos cuidando dos nossos filhos. Mas, neste contexto, a afetividade deve ser vista como um requinte de qualificação que, em algum momento, fará a diferença na vida daquele profissional, porque entre duas pessoas igualmente treinadas sempre prevalecerá a mais carinhosa. Negar isso é acreditar em azar profissional.

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