WALCYR CARRASCO
Mora, para alguns, no Polo Norte. Para outros, na Lapônia, onde
vive cercado de elfos mágicos, que trabalham sem ganhar hora extra, nem ter
direito a férias ou décimo terceiro salário. Hoje, fabricam até videogames! Sua
imagem atual foi criada por Thomas Nest, numa ilustração da revista Harper’s
Weekly, que só se popularizou ao ser usada numa campanha da Coca-Cola, em 1931.
Particularmente, fico irritado ao entrar num shopping e ver Papais Noéis com um sorriso eterno. Por trás de toda essa festa há, sim, uma palavra mágica: “gaste”, “gaste”, “gaste”. Mágica para os donos das lojas, claro. É terrível as crianças pedirem presentes que não podem ter, como meu cavalo de corrida. O realmente mais terrível é ter passado esses anos todos com a consciência de que Papai Noel não existe e se tornou só uma invenção lucrativa do Natal.
Eu adoraria que existisse! Faço de tudo para tornar a lenda real. Explico aos amigos e à família que voltei a acreditar em Papai Noel. Ainda não me levam a sério. Qualquer hora dessas, envio as cartinhas diretamente às minhas sobrinhas. Ou se comovem, ou me internam. O mundo acha lindo uma criança acreditar em Papai Noel. Mas é cruel quando um adulto insiste em acreditar que vai achar um presente na chaminé.
Já que a lenda persiste, só resta fazer alguma coisa. Todos os anos, os correios recebem milhares de cartas de crianças pedindo presentes. A gente vai lá, escolhe os pedidos adequados ao bolso. Compra e envia anonimamente. Muitas crianças ficam sem presente, porque extrapolam nos pedidos. Outras ganham, sim, uma surpresa de Natal. Nos últimos anos, tenho escolhido algumas cartinhas. É um sentimento agradável saber que uma criança desconhecida passará o Natal feliz, com um brinquedo que não poderia ganhar da família.
Talvez esse sentimento seja o verdadeiro espírito natalino. Também, sempre me dou de presente uma cesta de Natal, repleta de gulodices. Já para amenizar o regime que farei o ano que vem, quem sabe? Já que Papai Noel não vem, eu mesmo me presenteio. Mas não nego, também ganho bons presentes.
Insisto: abaixo Papai Noel! Qual seu sentido na formação de uma criança, na relação com o mundo? Sonhar é bom, sempre. Mas esse é um sonho cruel. Não entendo insistir numa história, para depois contar que era mentira. Descobrir que Papai Noel não existe costuma ser o primeiro ritual infantil para a entrada no mundo adulto. A primeira dor, a perda de alguém que a criança ama, para então saber simplesmente que nunca existiu.Por que os pais ainda reforçam essa mentira? Atrás dela, está uma palavra mágica: “Gaste!”
Acho que fui um menino burrinho. Durante anos, todo Natal, eu tentava ver Papai Noel. Minha casa não tinha chaminé. E minha mãe tinha um bazar que também vendia brinquedos. Mesmo abrindo o pacote, embrulhado com os papéis festivos que ela usava nas vendas, eu caía na história de Papai Noel. Todas as manhãs do dia 25, acordava surpreso.
– Mas não vi o Papai Noel.
– Ele passou assim que você dormiu, mas, como estava com pressa para entregar outros presentes, não pôde esperar você acordar – dizia mamãe.
Pacientemente, eu aguardava o ano seguinte. Havia um motivo ambicioso para tanto fervor. Queria ganhar um cavalo branco, de corrida. Minha mãe sempre explicava a falha.
– Papai Noel disse que não tinha espaço para o cavalo aqui em casa. O ano que vem ele dará um jeito.
Foi decepcionante descobrir que Papai Noel não existia. A história ficou tão engasgada que um dos meus primeiros livros infantis, Meu encontro com Papai Noel, fala de um menino que vê o velhinho de barbas brancas no shopping, o segue até sua casa e descobre que é um homem comum e pobre. Ah, sim, o menino quer um cavalo de corrida...
Penso: por que os pais ainda inventam, reforçam essa mentira? Não sou um radical do politicamente correto que quer proibir tudo. Mas os shoppings já estão lotados de Papais Noéis. Há profissionais especializados, que engordam o ano inteiro para ganhar uma grana recebendo as crianças nos shoppings, ouvir seus pedidos e fazer “ho ho ho”. Devem derreter dentro daquela roupa vermelha. É tenso ser Papai Noel. Algum dia um Papai Noel mais nervoso dará uns safanões numa criancinha insistente.
Sua lenda vem do século IV, quando um bispo turco, São Nicolau Taumaturgo, botava, anonimamente, saquinhos com moedas nas chaminés dos mais necessitados. Bem, nem tão anonimamente assim, já que todo mundo ficou sabendo e foi canonizado. Papai Noel também é chamado de São Nicolau.
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Particularmente, fico irritado ao entrar num shopping e ver Papais Noéis com um sorriso eterno. Por trás de toda essa festa há, sim, uma palavra mágica: “gaste”, “gaste”, “gaste”. Mágica para os donos das lojas, claro. É terrível as crianças pedirem presentes que não podem ter, como meu cavalo de corrida. O realmente mais terrível é ter passado esses anos todos com a consciência de que Papai Noel não existe e se tornou só uma invenção lucrativa do Natal.
Eu adoraria que existisse! Faço de tudo para tornar a lenda real. Explico aos amigos e à família que voltei a acreditar em Papai Noel. Ainda não me levam a sério. Qualquer hora dessas, envio as cartinhas diretamente às minhas sobrinhas. Ou se comovem, ou me internam. O mundo acha lindo uma criança acreditar em Papai Noel. Mas é cruel quando um adulto insiste em acreditar que vai achar um presente na chaminé.
Já que a lenda persiste, só resta fazer alguma coisa. Todos os anos, os correios recebem milhares de cartas de crianças pedindo presentes. A gente vai lá, escolhe os pedidos adequados ao bolso. Compra e envia anonimamente. Muitas crianças ficam sem presente, porque extrapolam nos pedidos. Outras ganham, sim, uma surpresa de Natal. Nos últimos anos, tenho escolhido algumas cartinhas. É um sentimento agradável saber que uma criança desconhecida passará o Natal feliz, com um brinquedo que não poderia ganhar da família.
Talvez esse sentimento seja o verdadeiro espírito natalino. Também, sempre me dou de presente uma cesta de Natal, repleta de gulodices. Já para amenizar o regime que farei o ano que vem, quem sabe? Já que Papai Noel não vem, eu mesmo me presenteio. Mas não nego, também ganho bons presentes.
Insisto: abaixo Papai Noel! Qual seu sentido na formação de uma criança, na relação com o mundo? Sonhar é bom, sempre. Mas esse é um sonho cruel. Não entendo insistir numa história, para depois contar que era mentira. Descobrir que Papai Noel não existe costuma ser o primeiro ritual infantil para a entrada no mundo adulto. A primeira dor, a perda de alguém que a criança ama, para então saber simplesmente que nunca existiu.Por que os pais ainda reforçam essa mentira? Atrás dela, está uma palavra mágica: “Gaste!”
Acho que fui um menino burrinho. Durante anos, todo Natal, eu tentava ver Papai Noel. Minha casa não tinha chaminé. E minha mãe tinha um bazar que também vendia brinquedos. Mesmo abrindo o pacote, embrulhado com os papéis festivos que ela usava nas vendas, eu caía na história de Papai Noel. Todas as manhãs do dia 25, acordava surpreso.
– Mas não vi o Papai Noel.
– Ele passou assim que você dormiu, mas, como estava com pressa para entregar outros presentes, não pôde esperar você acordar – dizia mamãe.
Pacientemente, eu aguardava o ano seguinte. Havia um motivo ambicioso para tanto fervor. Queria ganhar um cavalo branco, de corrida. Minha mãe sempre explicava a falha.
– Papai Noel disse que não tinha espaço para o cavalo aqui em casa. O ano que vem ele dará um jeito.
Foi decepcionante descobrir que Papai Noel não existia. A história ficou tão engasgada que um dos meus primeiros livros infantis, Meu encontro com Papai Noel, fala de um menino que vê o velhinho de barbas brancas no shopping, o segue até sua casa e descobre que é um homem comum e pobre. Ah, sim, o menino quer um cavalo de corrida...
Penso: por que os pais ainda inventam, reforçam essa mentira? Não sou um radical do politicamente correto que quer proibir tudo. Mas os shoppings já estão lotados de Papais Noéis. Há profissionais especializados, que engordam o ano inteiro para ganhar uma grana recebendo as crianças nos shoppings, ouvir seus pedidos e fazer “ho ho ho”. Devem derreter dentro daquela roupa vermelha. É tenso ser Papai Noel. Algum dia um Papai Noel mais nervoso dará uns safanões numa criancinha insistente.
Sua lenda vem do século IV, quando um bispo turco, São Nicolau Taumaturgo, botava, anonimamente, saquinhos com moedas nas chaminés dos mais necessitados. Bem, nem tão anonimamente assim, já que todo mundo ficou sabendo e foi canonizado. Papai Noel também é chamado de São Nicolau.
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