Sou do tempo em que bodoque se chamava funda. Sou do tempo em que as donzelas se casavam virgens. Se uma delas se casasse sem o hímen, o recém-marido tinha o direito de dissolver na Justiça o casamento e devolver a moça para os pais dela. Meu Deus, a humilhação que sofria a pobrezinha, para o resto da vida!
-
Sou do tempo em que, meu
Deus, se comiam canjica e mogango com leite.
Sou do tempo em que se
usavam, para proteger ou enfeitar os sapatos masculinos, polainas, com tempo
bom; galochas, quando chovia.
Sou do tempo em que se matava a cobra e se
mostrava o pau. Era o tempo em que nado sem estilo se chamava
mata-cobra.
Sou do tempo em que se disputava tudo com o par ou ímpar nos
dedos da mão.
Sou do tempo em que armazém dentro de quartel se chamava
cantina. Sou do tempo em que se tiravam nos bailes as senhoritas para dançar e,
se elas se recusassem, isso era uma grave desfeita.
Sou do tempo do
confete, da serpentina e do lança-perfume que mais se cheirava do que se
lançava.
Sou do tempo da bolinha de inhaque e da bolinha de aço, que
curiosamente se chamava de aça. No jogo da infância, esta última levava todas as
de vidro pela frente.
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Sou do tempo do bilboquê, do ioiô, do
bambolê, do jogo de casinha derrubada, ciranda-cirandinha, do tempo em que se
provava aos pais ou aos delegados de polícia que não se estava embriagado
fazendo um quatro ao cruzar as pernas.
Sou do tempo em que se fumava
escondido, do tempo em que não se beijava a namorada e só se namorava com ela
sentados os dois no sofá da sala da casa dela, mas para isso se providenciava
(incrível!) uma pessoa como testemunha daquele namoro, chamada de chá de pera,
que permanecia durante duas horas diante dos enamorados.
-Sou do
tempo do bonde Teresópolis até a Pedreira, do bonde Partenon até a Rua Luiz de
Camões, do bonde Petrópolis até a Rua João Abbott.
Sou do tempo das
caneleiras, das joelheiras e das tubigeiras, que protegiam os tornozelos no
futebol. Sou do tempo das imperdíveis matinês dos domingos, nos cinemas Brasil e
Miramar.
Ah, que saudade desses tempos, brotam-me lágrimas nos olhos
quando os rememoro.
E isso só prova que tanto era melhor viver naqueles
tempos, o que talvez seja uma tolice definir, quanto que estou para lá de
decrépito.
* Jornalista. Escritor. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 13/01/2013
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