Paul Goldberger, um dos mais populares críticos de
arquitetura, ataca Brasília e defende novos nomes do país
Para estudioso, legado de arquiteto morto no ano passado
é enorme, mas seu nome foi uma sombra para outros
Chegou a hora de o mundo "descobrir" a
nova arquitetura brasileira e, com tantas obras e grandes eventos a caminho,
também de o Brasil olhar para mais arquitetos além-Niemeyer.
A opinião é do crítico de arquitetura mais
popular dos EUA, Paul Goldberger, 62.
Professor de design e arquitetura da New School
de Nova York, Goldberger foi, por 25 anos, o crítico de arquitetura do "New York
Times", no qual ganhou o prêmio Pulitzer por seus textos. De 1997 a 2011,
exerceu a mesma função na revista "New Yorker" e, desde o ano passado, é
colunista da "Vanity Fair".
Na entrevista abaixo, ele fala que o plano
piloto de Brasília é um "fracasso", diz que o tempo suaviza a relação que temos
com a arquitetura, que os modernistas, como Oscar Niemeyer, eram "arrogantes,
mas tinham preocupação social" e que hoje muitos só pensam na estética.
SOMBRA
A sombra de Niemeyer era tão grande que impediu
o mundo de ver quantos bons arquitetos existiam no Brasil. Não era fácil ser um
arquiteto brasileiro se o seu nome não fosse Niemeyer. Ele era muito
identificado com o país.
É triste que Niemeyer tenha ido. Mas, diante
dessa perda, sem querer soar desrespeitoso, agora o mundo vai poder começar a
observar outros arquitetos. Isay Weinfeld, Marcio Kogan, muito talentosos.
Mesmo o prêmio Pritzker não tirou Paulo Mendes
da Rocha da sombra de Niemeyer.
NOVA ARQUITETURA
Nos próximos anos saberemos como anda a
arquitetura brasileira. A posição do país mudou nos últimos anos, há muita
construção acontecendo e, com a partida de Niemeyer, os arquitetos terão mais
possibilidades de construir e de que o mundo preste atenção.
Eu vi muito trabalho recente de qualidade no
Brasil, mas a maioria era residencial. Casas maravilhosas.
FRACASSO DE BRASÍLIA
Sou mais inclinado em separar o planejamento
urbano de Lucio Costa, que é um grande fracasso, dos prédios de Niemeyer, que
têm bastante apelo, têm um poder icônico. Quando finalmente os visitei, foi
incrível, aquelas formas são incríveis. Nem tudo estava bem cuidado. Todo prédio
de qualidade precisa de manutenção. Depois de 50, 60 anos, precisam de cuidados,
igual a um ser humano. Alguns prédios eram lindos, outros horríveis.
CADÊ A RUA?
Se há alguma coisa que aprendi na minha
carreira é que a coisa mais importante ao se construir uma cidade é fazer boas
ruas. Brasília tem alguns bons prédios, mas não tem boas ruas. Você não tem uma
cidade atraente.
Tem bons prédios de Niemeyer, mas que juntos
não formam uma grande cidade.
Parece um campus governamental, não uma cidade.
Como um campus universitário no subúrbio.
Mas é fascinante ver a experiência mais próxima
da "ville radieuse" de Le Corbusier a ser realmente construída -e perceber quão
terrível seria se essa visão corbuseriana tivesse sido implementada pelo
mundo.
ARROGÂNCIA SOCIAL
Os arquitetos modernistas se sentiam políticos
e até achavam fazer reengenharia social com suas obras.
Isso pode ser lido de duas formas. Como
arrogância, pois eles achavam que sabiam o que era melhor para todo o mundo e
que não precisavam ouvir outras pessoas. Nos anos 1950 e 1960, ainda era assim.
Arquitetos poderiam ditar como as pessoas deveriam viver.
Mas há outro lado. Havia a convicção de que a
arquitetura tinha um papel e uma responsabilidade social. Depois disso, muitos
arquitetos começaram a ver a sua missão como apenas estética. Apenas fazer arte
bonita.
CONTEXTO E CLIENTE
O problema de muitos modernistas era exercitar
a preocupação social ditando regras, em vez de escutar mais. Arquitetos modernos
aprenderam muito sobre os fracassos anteriores. Hoje eles são mais sensíveis ao
urbanismo, à importância do contexto, a ouvir os seus clientes.
TEMPO SUAVIZA
Alguns dos prédios de Niemeyer não eram mesmo
funcionais. É sempre melhor ver o que um arquiteto faz, não o que diz. Apesar do
que dizia, muitos de seus prédios eram talvez obcecados demais com a forma às
custas da função. Eram desenhados como objetos abstratos, como se a beleza
sozinha fosse suficiente.
Pegamos mais leve hoje com seus prédios do que
no passado em parte pelo efeito que o tempo tem sobre a arquitetura -suaviza as
críticas, somos menos duros, nos acostumamos a tudo e criamos até nostalgia,
sentimentalismo.
É fascinante ver uma nação em luto pela morte
de Niemeyer. Nos EUA, a morte de nenhum arquiteto produziria essa pausa para se
pensar em arquitetura. Parece que todo o Brasil sentiu a perda. Nos EUA, tivemos
isso com [Frank] Sinatra. Dos especialistas à gente comum. Niemeyer foi muito
além do mundo da arquitetura. Tomara que esse interesse sobreviva a ele.
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Reportagem por RAUL
JUSTE LORESDE NOVA YORK
Fonte: Folha on line,
13/01/2013
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