Um mergulho através da alma humana
Cada novo filme deste que é um dos
maiores diretores da atualidade, gera uma grande expectativa. Não é diferente
com O Mestre, filme que vem em seguida a Sangue Negro, onde Anderson explorava
as ilimitadas possibilidades do protagonista Daniel Day-Lewis. Neste novo filme,
os atores além de serem brilhantes, rendem em interpretações absolutamente
fascinantes, como no caso de Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman.
Phoenix, irmão de um dos maiores atores de
Hollywood, o precocemente falecido River Phoenix, é mais conhecido pela
interpretação do vilão de Gladiator, o imperador louco que rivaliza com o
personagem de Russel Crowe. Em O Mestre, Phoenix faz o papel do marinheiro
Freddie Quell, uma mistura de alquimista, boxeador e alcoólotra, que se encanta
pelo guru Lancaster Dodd (Hoffman).
Lancaster Dodd viaja o mundo pregando uma
espécie de religião espírita, que acredita que o corpo é somente um vasilhame,
ocupado pela alma durante determinada encarnação. Nossa alma muda continuamente
de corpo, e podemos, através de métodos de regressão, vislumbrar as nossas vidas
passadas. Esse guru, que é colocado constantemente contra a parede por céticos
de todos os tipos, também fica em evidência aos olhos do espectador: ficamos na
dúvida se se trata de um completo charlatão, ou se ele realmente acredita
naquilo que prega.
No caso do marinheiro, Freddie Quell é um tipo
completamente incomum, com uma inteligência que parece voltada para a própria
maneira desapegada de encarar a vida. Sua liberdade é absoluta, mas como
conciliá-la com a sua função de seguidor desta espécie de seita de seu amigo
Dodd. A amizade entre os dois, uma espécie de fenômeno único no universo, é no
fundo o que costura a trama do filme. Neste solo não pisam os personagens
clichês que o cinema americano nos apresenta todos os dias, ou mesmo aqueles
tipos pretensamente populares com que o cinema brasileiro busca imitar o
americano.
Em O Mestre, o que vemos não são vilões nem
mocinhos, mas homens que buscam formas de estar no mundo. O que o filme nos
mostra é a possibilidade de liberdade, principalmente aquela que se dá através
do desenvolvimento do afeto entre as pessoas.
Se passei tanto tempo escrevendo sobre a
interpretação dos atores, assim como sobre a história que o filme mostra, é
porque estes aspectos se sobressaem em meio à primorosa estética fotográfica, e
à música absolutamente dosada, que compõem esse filme. O que vemos, apesar da
ousadia estética, é um filme que se detém nos aspectos mais simples e
importantes da cinematografia clássica: contar uma história com boas
interpretações.
Se pensarmos como Eisenstein, na sua teoria de
que o filme funciona como um espetáculo de circo, e cada um dos seus elementos
pode ser concebido como uma atração ligada às outras, podemos perceber que o
domínio do diretor da linguagem cinematográfica se baseia na orquestração destas
atrações em torno da interpretação dos atores. Tal como no teatro Nô japonês,
que considera o trabalho dos atores o que há de mais difícil e mais importante,
e todo o resto é supérfluo, Anderson se cerca dos melhores atores para realizar
o seu projeto. O filme, em última instância, é um mergulho na nossa própria
humanidade.
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Fonte:
http://opiniaoenoticia.com.br/opiniao/o-mestre-de-paul-thomas-anderson/
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