A questão é que homens que pegam dinheiro de mulher são
vistos como maus-caracteres e ponto
Em dias de preguiça de verão, vi um
filme desses de cujo nome ninguém se lembra. Férias devem ser assim: nada fazer
e quando fizer, fazer nada. Mede-se a liberdade de uma pessoa pela capacidade
que ela tem de fazer nada nas férias sem sentir aquele apelo de classe média de
"fazer algo nas férias".
Mas eis que um filme me chamou atenção pela
temática: o problema que é quando o homem vive sustentado pela mulher.
O personagem em questão pergunta para uma
advogada que o está defendendo num caso: por que homens aos montes sustentam
financeiramente mulheres, e o contrário é visto com maus olhos?
A questão é que homens que pegam dinheiro de
mulher são vistos como maus-caracteres. E ponto final. Não seria esse mais um
preconceito que deveríamos combater, assim como achar que os ratinhos não têm
alma?
Antes de tudo, devo avisar às sargentas de
plantão de que pouco importa que estatísticas apontem muitos casos de mulheres
que sustentam famílias nas classes C e D (normalmente são mães sozinhas).
Quando eu era estudante de medicina na
Universidade Federal da Bahia e dava plantão em cidades paupérrimas no interior
do Estado, atendia quatro mulheres ao mesmo tempo (aquele tipo de experiência
que a esquerdinha dos jantares inteligentes paulistanos morreria de medo de ter,
mas mente dizendo que se importa com o sofrimento no mundo). Mulheres assim se
apresentavam como "largadas de marido".
Tampouco os "inteligentezinhos" devem perder
seu tempo falando que seu terapeuta corporal vive muito bem cozinhando para a
esposa médica na casa deles em Cotia.
A questão do personagem merece atenção para
além das modinhas. Homens assim são chamados "homens que tiram dinheiro de
mulher". A questão é: por que ainda hoje homens assim são malvistos? Por que se
olha para eles com suspeita de que sejam maus-caracteres?
Claro que existem exceções, isto é, casais que
vivem bem com arranjos assim; mas o fato é que esses arranjos costumam ter prazo
de validade curto. E muitas brigas versam sobre essa "situação".
Esse normalmente é aquele tipo de tema sobre o
qual não se fala em famílias educadas ou entre pessoas que fingem que o mundo
mudou depois dos anos 60. Este tipo então é muito engraçado.
A verdade é que, mesmo que bem-sucedidas,
mulheres que sustentam seus parceiros sentem, no silêncio do cotidiano, ou na
agonia de ter que pagar as contas no final mês, um gosto amargo de solidão na
boca. Seria idiota imaginar um homem que sustenta sua mulher sofrer por se
sentir "só" na função de provedor da família. Por que as mulheres se sentem
sozinhas nessa situação, e os homens não?
Mas nossa heroína se pergunta: será que eu não
mereço mais? Por que justo eu não consigo que meu parceiro me "banque"?
O mais duro é que mesmo em casos comuns nos
quais os casais dividem os gastos, essas mulheres, que dividem os gastos, também
"invejam" aquelas que têm maridos que "bancam".
Há casos em que mesmo que elas não precisem,
gostariam de ter maridos que "banquem". Eis o príncipe eterno. Todas o
querem.
Aliás, o verbo "bancar" (e sua ambiguidade
entre "sustentar", "enfrentar situações difíceis" e o substantivo "banco", lugar
de dinheiro) vem muito a calhar.
É comum dizer que, em casos nos quais a mulher
tem muita grana, isso nunca é um problema. Acho que sim, mas nem tanto. Se ele
não a banca financeiramente, porque ela de fato não precisa, ele terá que
bancá-la em outro lugar. A mulher sempre quer "ser bancada".
O incômodo feminino com homens "que não bancam"
parece passar não só pela falta de grana (essa é apenas a mais universal das
referências), mas essencialmente pelo problema do homem que "não tem atitude".
"Ele podia pelo menos se mexer...", diria nossa heroína. Logo ela perderá o
respeito por ele. Seria a causa biológica ou cultural?
Se a mulher séria tem de provar que não dá por
aí, o homem sério tem de provar que não quer pegar dinheiro de mulher. Eis dois
limites do blá-blá-blá contemporâneo.
Mesmo que façam pose de bem resolvidas bancando
seus homens, essas mulheres sofrem com isso e estão mentindo.
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Filósofo. Escritor. Prof. universitário.
Fonte:
Folha on line, 221/01/2013
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