terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Há limites para o ( bom ) humor?

 

“Uma paisagem poderá ser bela, graciosa, sublime, insignificante ou feia, porém jamais risível. Riremos de um animal, mas porque teremos surpreendido nele uma atitude de homem ou certa expressão humana.” O filósofo Henri Bergson escreveu isso em 1899 e a transposição desse trecho na prova de redação do vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ontem, provocou o óbvio: risos. Candidatos foram convidados a refletir sobre o papel e os limites do humor.
Os candidatos a uma das vagas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) riram porque, durante a prova de redação do vestibular, foram convidados a refletir sobre o papel e os limites do humor na sociedade e, invariavelmente, tiveram de revirar a caixola em busca de exemplos engraçados. Também encontraram no tema uma luz sorridente de tranquilidade, não uma paisagem. Não houve nada como o assustador Adamastor, da prova do ano passado. Como repórter, caí na gargalhada ao ouvir de Carlos Henrique Iotti, responsável pelo cartum desta página, que poderia escrever cartunista ou vigarista para identificá-lo nesta reportagem. Devido ao politicamente correto, implícito na discussão proposta pela universidade, preferi cartunista.
Ao saber do debate, o psicanalista Abrão Slavutzky, que acaba de finalizar o livro O Humor é uma Coisa Séria, previsto para ser lançado no segundo semestre, afirmou que o tema é difícil. Simplesmente porque não é fácil definir o conceito de humor. O riso é apenas parte dele. O teor rebelde, questionador e crítico é o que, para Slavutzky, pode incomodar todos os poderes. O psicanalista lembrou ainda uma definição de Freud de que o humor seria um dom precioso e raro:

– O humor é uma síntese de duas verdades: a trágica e a cômica, e assim constrói uma terceira verdade. Revela, dessa maneira, os paradoxos da existência: com um olho sorri, e do outro cai uma lágrima. Ele ridiculariza a idealização, é irreverente. Não tem tema proibido.

Acostumado a parodiar muitas notícias em seu site, Junior Maicá, o editor de O Bairrista, acredita que existem, sim, temas proibidos:

– Algo sobre preconceito racial, por exemplo, não faria. Certos assuntos não são engraçados – sentencia.

O cartunista Iotti, que, brincando, lamentou ao telefone ter de revelar o nome completo à imprensa – Carlos Henrique –, acredita que fazer humor com alguém em situação de vulnerabilidade “é como chutar um cara caído no chão”. Talvez esteja aí o tal limite que a universidade alerta em sua proposta:

“Considerando a popularidade atual do humor, manifestado nas mais diversas formas, em diferentes meios de comunicação, e as reações da sociedade a essas manifestações, redija uma dissertação sobre o papel e os limites do humor na sociedade”.

Nem Maicá nem Iotti disseram já ter sofrido devido aos limites impostos pelo politicamente correto ao humor. Mas, no Brasil e no mundo afora (confira os casos ao lado), muita gente já se encrencou por aquilo que, quando eu era pequena, se chamava piada de mau gosto. A própria prova da UFRGS entrou na dança. Sim, na tarde de ontem, Rafinha Bastos afirmou o seguinte em sua página do Facebook: “Acabei de saber através da Justiça: as pessoas que me citaram no vestibular da UFRGS serão presas. Que pena, pessoal”. Era mais uma piada.
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mariana.muller@zerohora.com.br
Reportagem por MARIANA MÜLLER
Fonte: ZH on line, 15/01/2013

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