domingo, 13 de janeiro de 2013

A cidade somos nós, de Zaza Amaral *

A

Sempre sonhei quieto; sempre sonhei e sonho sempre, quieto. Não faço alarde do que sonho, apenas anoto e escrevo. Sou fruto das tristezas ancestrais que tratavam a terra para plantar o alimento e a chuva que não veio. Li Patativa do Assaré contando as agruras da sua lida e bem o conheci, quase cego, por aqui, quando salvo foi no Penido Burnier (me perdoe, raro leitor, esqueci o nome do médico que o hospedou em sua casa e lhe operou). E bem lembrei que anos antes o vi contando causos no Teatro José de Alencar, em Fortaleza. Falava a palavra dos homens, a mesma palavra de Cristo, o mesmo em que acredito como um bom Homem porque acreditava no amor entre os homens. E eis que o mundo está aí, se amando entre os seus, seja homem ou mulher, amando sempre, se acarinhando sempre, tentando se manter vivo na crosta da Terra.
Poetas existem para nos instigar. Sempre. Há quem goste dos tons de cinza, livro que não li e não lerei porque sexo até baratas fazem. E não deverei andar por aí dando receitas de bom-viver e amar. Não sei como se ama ou se apaixona. E nem quero. E não entendo como povos da mesma crença divina se matam em nome de sua fé, do seu Deus, que É o mesmo que honra e orienta católicos, islamitas e judeus a serem justos e respeitosos uns com os outros; e a fé é pouca e as guerras são tantas.
 

 

No mais baixo degrau da fé me acomodo e me assento. Não sou crente e apenas lógico. Quero saber quem cuida dos nossos velhos assim como cuidam de seus gatos, cachorros e coelhos. Homem velho tem direito apenas a uma cadeira de rodas, quando é o caso, e, às vezes, nem mesmo isso, recebendo apenas uma visita mensal de algum neto que assume pra si a vergonha de seus pais e leva a ele algum conforto para quem pariu a sua existência, querendo saber em sussurros de travesseiro de onde veio, quem foram os seus e assim se sentindo herdeiro da memória da família, o que o levará, fatalmente, a um confronto memorial e existencial com os seus parentes, todos eles contentes porque reunidos para mais uma festa de fim de ano, bebendo e cantando, mostrando fotos antigas, lembrando de meninices e outras tantas esquisitices de parentes ausentes – quase sempre os melhores tios da família que dela se apartaram para preservar suas individualidades e mansas loucuras.

Viver é uma aventura perigosa e disso sei desde o dia em que o sacristão fugiu com a beata que acendia, todas as manhãs, as velas da Igreja do Liceu. Sempre lembro dessa história e isso me reconforta: amar vale a pena.

Ando pela cidade, pego lotação sem pagar (sou sexagenário), tenho atendimento preferencial em bancos e farmácias (pressão alta e coronárias) - (no Pão de Açúcar do Cambuí o atendimento é péssimo – e que o raro leitor me perdoe pelo marquetismo (mas é a linguagem que eles entendem) – e vou brigando com certa elegância para ser pelos menos reconhecido como alguém que pertence à raça humana, o novo caçador moderno que busca a caça nos supermercados. Foram tantos parênteses e espero não ter sido didático demais (um cacoete do qual ainda vou me livrar, assim espero). No fundo, apenas quero dizer que sigo vivo e querendo acreditar que a vereança da cidade cumpra o seu dever de fiscalizar os atos do Executivo, e que o prefeito respeite as leis republicanas. Seus netos se sentirão honrados por isso. E é apenas isso que faz valer a nossa vida. Afinal, a cidade somos nós.
 
                                                   * Escritor. Cronista do CP.
                                         Fonte: Correio Popular on line, 13/01/2013

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