Mas, atenção, tragédias como a de Santa Maria não são
inerentes ao terceiro-mundismo
Tentei, juro que tentei, escrever sobre
temas internacionais, como é a norma nesta seção. Até havia dois ou três
assuntos pré-selecionados, mas não dá. A tragédia de Santa Maria chama
poderosamente.
Tal como contou ontem o santa-mariense Álvaro
Fagundes, eu também fiquei hipnotizado quando pipocaram na tela de meu iPad os
primeiros "flashes" sobre o incêndio. Mas, tal como ele, hesitei em aceitar que
era no Brasil. Não podia ser.
Nas duas horas e meia do percurso de trem entre
Davos e Zurique, sem internet para ver mais "flashes", decretei que não era no
Brasil. Só podia ser mais uma tragédia africana ou asiática.
Sei que elas acontecem também no mundo rico,
mas são mais usuais em países subdesenvolvidos, nos quais todas as instituições
são precárias, da prevenção ao socorro, da obediência aos regulamentos à
responsabilização dos proprietários e governantes.
Liguei a TV no hotel. Aí, não dava para
escapar: era Brasil, Brazil, Brasile, Brésil.
Não dava também para escapar à sensação de que
havia alguma coisa em comum entre as vítimas e a minha família, embora remota.
Nessas horas, é fatal traduzir o que acontece em termos pessoais.
Meu neto Tiago tem a mesma idade da maioria das
vítimas, 21 para 22 anos. É "baladeiro", como todas as vítimas. Estuda no
interior (no caso dele em São Carlos, São Paulo), como praticamente todas as
vítimas.
Não é nem mais nem menos responsável que
qualquer um dos jovens que estavam no inferno.
Mais: sou capaz de apostar que frequenta locais
com os mesmos problemas de segurança que foram encontrados na boate Kiss. Sou
também capaz de apostar que incentivaria qualquer banda que estivesse se
apresentando num desses locais a soltar alguma "bengala".
Os jovens se sentem imortais. E é natural e até
conveniente que seja assim. O problema é que seus pais e seus avôs achamos que
os jovens são "morríveis" demais.
No Brasil, até são mesmo, vítimas de uma
violência que supera qualquer padrão civilizatório mínimo.
Talvez por isso surja a tentação fácil de
atribuir ao nosso subdesenvolvimento institucional a tragédia santa-mariense.
Que ele existe, é óbvio. Que possa ter contribuído para a tragédia, é bem
possível.
Mas a TV espanhola incumbiu-se na noite de
domingo de desfazer qualquer hipótese de exclusividade "terceiro-mundista" na
história, ao rememorar tragédias similares na própria Espanha, nos EUA e no
Reino Unido, para não falar da Argentina.
Ao mostrar cenas de Dilma Rousseff visitando
Santa Maria e chorando, desfez também os comentários -inevitáveis em situações
do gênero- de que era demagogia, hipocrisia ou algo parecido. A presidente fez o
que tinha que fazer, com digna sobriedade.
A tragédia de Santa Maria me trouxe à memória a
frase que ouvi de José Aníbal, hoje secretário de Energia do governo paulista,
quando perdeu o filho em um acidente no litoral: "A perda de um filho é a dor
definitiva".
É essa dor que devem estar sentindo os pais das
vítimas. Não há nada que possa diminuí-la.
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Colunista da Folha
Fonte:
Folha on line, 29/01/2013
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