O texto a seguir, que trata do excessivo número de faculdades sem
a necessária qualidade, e da importância do Exame de Ordem para qualificar os
profissionais, é de autoria da escritora Lya Luft em sua coluna
da revista Veja desta semana.
A boa escola
Meu brilhante colega Gustavo Ioschpe, uma das mais lúcidas vozes no que diz
respeito à educação, escreveu sobre o que é um bom professor. Eu já começava
este artigo sobre o que acho que deva ser uma boa escola, então aqui vai.
Primeiro, a escola tem de existir. No Brasil há incrivelmente poucas escolas
em relação à necessidade real. Têm de existir escolas para todas as crianças, em
todas as comunidades, as mais remotas, com qualidades básicas: não ultrapassar o
número de alunos bem acomodados, e que eles não tenham de se locomover para
muito longe; instalações dignas, que vão das mesas as paredes, telhado, pátio
para diversão e recreio, lugar para exercício físico e esportes; instalações
sanitárias decentes, cozinha para alimentar os que não comem suficientemente em
casa; alguém com experiência médica ou de enfermagem para atender os que
precisarem. Em cada sala de aula, naturalmente, uma boa prateleira com livros
sem dúvida doados pelos governos federal, estadual, municipal. E que ali se
ensine bem o essencial: aritmética, bom uso da linguagem, noções de história e
geografia para que saibam quem são e onde no mundo se situam. Falei até aqui
apenas de ensino elementar em escolas menos privilegiadas economicamente. Em
comunidades mais resolvidas nesse sentido, tudo isso não será apenas bom, mas
excelente, desde aparte material até professores muito bem preparados que sejam
bem exigidos e bem pagos.
No chamado 2º grau, além de livros, quem sabe computadores, mas - ainda que
escandalizando alguns - creio que esses objetos maravilhosos, que eu mesma uso
constantemente, não substituem um bom professor. E que, nesse degrau da vida,
todos sejam preparados para a universidade, desde que queiram e possam. Pois nem
todos querem uma carreira universitária, nem todos têm capacidade para isso:
para eles, excelentes escolas técnicas, depois das quais podem ter mais ganho
financeiro do que a maioria dos profissionais liberais. Professores com mestrado
e se possível doutorado, diretores que conheçam administração, psicólogos que
conheçam psicologia, todos com saber e postura que os alunos respeitem a fim de
que possam aprender.
Finalmente a universidade, que enganosamente se julga ser o único destino
digno de todo mundo (já mencionei acima os cursos técnicos cada dia melhores e
mais especializados). Universidade precisa existir, mas não na abundância das
escolas elementares. É incompreensível e desastrosa a multiplicação de
faculdades de medicina, por exemplo, cujas falhas terão efeitos dramáticos sobre
vidas humanas. Temos pelo país muitas onde alunos não estudam anatomia, pois não
há biotério, não têm aulas práticas, pois não há hospital-escola. Essa é uma
realidade assustadora, mas bastante comum, que, parece, se tenta corrigir.
Dessas pseudofaculdades sairão alunos reprovados nas essenciais provas do
CRM, mas que eventualmente vão trabalhar sem condição de atender pacientes.
Faculdades de direito pululam pelo país, sem professores habilitados, sem boas
bibliotecas, formando advogados que nem escrever razoavelmente conseguem, além
de desconhecer as leis - e reprovados aos magotes nas importantíssimas provas da
OAB.
Coisa semelhante aconteceria com faculdades de engenharia mal preparadas, se
existirem, de onde precisam sair profissionais que garantam segurança em obras
diversas, de edifícios, casas, estradas, pontes. Vejam que aqui comentei apenas
alguns dos inúmeros cursos existentes, muitos com excelente nível, mas não se
ignorem os que não têm condições de funcionar, e mesmo assim... existem. Em
todas essas fases, segundo cada nível, incluam-se professores bem preparados,
muito dedicados, e decentemente pagos - professor não é sacerdote nem
faquir.
O que aqui escrevo é mero, simples, bom-senso. Todos têm direito de receber a educação que os coloque no mundo sabendo ler, escrever, pensar, calcular, tendo ideia do que são e onde se encontram, e podendo aspirar a crescer mais. Isso é dever de todos os governos. E é nosso dever esperar isso deles.
O que aqui escrevo é mero, simples, bom-senso. Todos têm direito de receber a educação que os coloque no mundo sabendo ler, escrever, pensar, calcular, tendo ideia do que são e onde se encontram, e podendo aspirar a crescer mais. Isso é dever de todos os governos. E é nosso dever esperar isso deles.
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