Por que a gente só descobre que ama depois que pessoa foi embora?
Vinícius de Moraes disse uma vez que as
mulheres nunca são tão belas quanto no momento em que vão embora. É uma frase
bonita que descreve uma situação triste – os homens, costumeiramente, esperam as
mulheres partir para descobrirem, logo depois, que cometeram um erro terrível. A
mulher que foi embora se transforma, instantaneamente, na mulher da vida deles,
única e insubstituível.
As mulheres conhecem essa história de cor e
salteado. Converse com qualquer uma delas e você vai descobrir que o homem
bumerangue está na área desde que elas têm 14 anos. O sujeito enjoa do namoro,
começa a tratar a moça mal e dá um pé na bunda dela – ou leva, depois de
repetidas desatenções. Dias depois, porém, ou mesmo horas depois, lá está o
mesmo cidadão ao telefone, transtornado, pedindo para voltar e usando expressões
definitivas como “eu te amo”, “não sei viver sem você” e, claro, a melhor de
todas, “você é a mulher da minha vida”.
Quem nunca fez esse papelão levante a
mão!
Muitos já fizeram, mas há muitos que
transformam esse comportamento errático em modo de vida. Eles estão sempre
apaixonados por uma de duas mulheres – aquela que já foi embora ou aquela que
ainda não apareceu. A mulher do agora, com quem ele dorme, viaja e vai ao
cinema, essa nunca é tão bacana. Mas, basta ela se cansar do enfado dele e
retirar o time de campo para se tornar, instantaneamente, a mulher mais linda e
mais desejada do mundo – a (ex) mulher da vida dele.
Já ouvi dezenas de amigas me perguntarem, ao
longo dos anos, sobre o que passa na cabeça dos homens que agem assim. Na nossa
cabeça, afinal. Eu não sei. Meu melhor palpite é que se trata de uma terrível
ilusão romântica. Ela desloca a felicidade para outro momento da vida, diferente
do agora. Produz insatisfação crônica. Quando está no modo nostálgico, o sujeito
imagina que o melhor ficou para trás: a ex é que era engraçada, bacana, a melhor
foda do universo. No outro modo, o futurista, o sujeito se põe a fantasiar
furiosamente sobre uma nova mulher, que ele acaba de conhecer. Ela, sim, bonita
desse jeito, divertida, poderá fazê-lo feliz pelo resto da vida!
Cientistas que estudam o otimismo humano dizem
que muitas pessoas acreditam, sem razão objetiva, e muitas vezes contrariando as
evidências, que a vida vai lhes dar coisas cada vez melhores. Amor, inclusive.
Talvez esses tipos que estão sempre olhando para o futuro, à espera de uma
pessoa melhor, sejam apenas otimistas incorrigíveis. Ou tolos. O que é o
otimismo sem fundamento senão uma espécie esperançosa de burrice?
Escrevo sobre homens porque esse comportamento
inquieto parece ser mais comum entre nós, mas as mulheres não estão livres dele.
Com o fim das convenções sociais que as obrigavam a serem fiéis e bem
comportadas – mulher de um homem só, pela vida toda – elas também começam a agir
como Don Juan, o sedutor serial da literatura: olham, querem, seduzem, se
decepcionam, começam a sonhar de olhos abertos, terminam o relacionamento,
começam tudo de novo. Feito homem. Foram contaminadas pela inquietação do amor
perfeito.
Muita gente acredita que essa insatisfação
permanente é a única forma real da existência humana. Dizem que relações e
sentimentos duradouros seriam, na verdade, uma violência contra a nossa natureza
de bichos. Afinal, não estamos sexualmente interessados em outras pessoas o
tempo inteiro? Se fôssemos honestos, afirmam, teríamos de admitir que nosso
desejo é múltiplo e está sempre à procura do próximo objeto. Por isso, não
deveríamos estabelecer relações de exclusividade com ninguém.
Eu não vejo as coisas desse modo.
Acho que podemos escolher entre viver de forma
auto-indulgente, correndo atrás do nosso desejo insaciável, ou negociar com ele.
O relacionamento é um espaço negociado. Eu e você decidimos que estaremos aqui
dentro, juntos, sabendo que uma parte de nós gostaria de estar lá fora, na
pluralidade. Mas, lá fora, você e eu sabemos, há sempre uma vontade enorme de
estar aqui dentro. Então ficamos, apertamos os nossos vínculos, e desfrutamos da
nossa rica intimidade, nos privando de muitas coisas que gostaríamos de tentar,
embora não necessariamente de todas. Se o esforço para ficar aqui dentro
tornar-se grande demais, caímos fora. E começamos de novo, com muita dor.
Acho essa uma proposição honesta e realista,
romântica de uma maneira moderna. Ela é melhor, a meu ver, do que a ilusão de
que o grande-amor-definitivo-e-arrebatador surgirá a qualquer momento, e, por
isso, devemos estar emocionalmente livres para recebê-lo, sem nos envolver de
forma profunda com ninguém no presente. É melhor, também, do que a sensação de
que a mulher que deixamos partir (ou o homem que escolhemos deixar) era a única
que tinha o poder de nos fazer felizes.
Sei que isso é um clichê miserável, mas o fato
é que não existe uma pessoa que nos fará magicamente felizes. A tal felicidade,
se existe, depende de nós. Nós deveríamos ser capazes de escolher e ficar
contentes com a pessoa que escolhemos. Ou, se não for esse o caso, ao menos
deveríamos estar contentes com o estilo de vida desprendido que adotamos. Tudo
aqui e agora. Não adianta ser feliz no ontem, que já passou, ou no amanhã, que
talvez nunca venha.
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http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/ivan-martins/noticia/2013/01/ex-mulher-da-minha-vida.html
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