L. F. Veríssimo*
O Nietzsche tem uma frase terrível que Harold Bloom usou como epígrafe do seu livro Shakespeare – A invenção do humano: “Aquilo para o qual encontramos palavras é algo que já morreu em nossos corações”. Estranho pensamento (significando, se não me falha a interpretação, que só podemos falar ou escrever sobre o que não nos apaixona mais) para inaugurar um livro como o de Bloom, um tijolo de 745 páginas escritas com evidente paixão. Talvez o que Nietzsche quisesse dizer era que só encontramos palavras racionais para tratar de fatos quando os fatos já não desafiam a razão ou aceleram o coração. Ou seja: para escrever sobre um furacão, é melhor não estar no meio do furacão. Tudo é melhor compreendido à distância. Com o passar do tempo, todos nós viramos filósofos.
Aos poucos, estão sendo desvendadas as mentiras que a ditadura nos impingiu como verdades – e que, incrivelmente, continuam sendo verdades, ou no mínimo falsificações defensáveis, para a corporação militar – como as farsas montadas para explicar o desaparecimento de Rubens Paiva e a quase tragédia do Riocentro. A distância vai tornando mais fácil examinar e falar sobre aquele Brasil de mentira, mas com o silêncio persistente dos militares sobre a sua própria história e com torturados e torturadores ainda vivos, além de muitos feridos indiretamente pela repressão na época, não se pode esperar que esta volta ao passado seja desapaixonada. Num texto magnífico publicado há dias, o Marcelo Rubens Paiva escrevia sobre o seu pai e sobre o que a família passou durante todos esses anos desde o seu desaparecimento, e certamente não falava sobre algo que já morreu no seu coração.
Nietzsche também definiu piada como o epitáfio para a morte de um sentimento. Interpretações a gosto. Acho que o que ele quis dizer se encaixa na atual discussão sobre os limites do humor. A respeito de um sentimento que não tem mais sentido pode-se fazer piadas à vontade, sem ofender ninguém. Quanto mais obsoleto e piegas o sentimento, melhor a piada. O diabo é que um sentimento pode não valer mais nada para o humorista mas ainda ser um sentimento vigente para outros, e aí se dá a confusão. Neste caso, o epitáfio é prematuro, pois o sentimento ainda não morreu.
Outra frase de Nietzsche, esta mais conhecida e menos enigmática é: o que não nos mata nos torna mais fortes. O que serve de consolo para humoristas obrigados a enfrentar os que não entenderam a piada.
Aos poucos, estão sendo desvendadas as mentiras que a ditadura nos impingiu como verdades – e que, incrivelmente, continuam sendo verdades, ou no mínimo falsificações defensáveis, para a corporação militar – como as farsas montadas para explicar o desaparecimento de Rubens Paiva e a quase tragédia do Riocentro. A distância vai tornando mais fácil examinar e falar sobre aquele Brasil de mentira, mas com o silêncio persistente dos militares sobre a sua própria história e com torturados e torturadores ainda vivos, além de muitos feridos indiretamente pela repressão na época, não se pode esperar que esta volta ao passado seja desapaixonada. Num texto magnífico publicado há dias, o Marcelo Rubens Paiva escrevia sobre o seu pai e sobre o que a família passou durante todos esses anos desde o seu desaparecimento, e certamente não falava sobre algo que já morreu no seu coração.
Nietzsche também definiu piada como o epitáfio para a morte de um sentimento. Interpretações a gosto. Acho que o que ele quis dizer se encaixa na atual discussão sobre os limites do humor. A respeito de um sentimento que não tem mais sentido pode-se fazer piadas à vontade, sem ofender ninguém. Quanto mais obsoleto e piegas o sentimento, melhor a piada. O diabo é que um sentimento pode não valer mais nada para o humorista mas ainda ser um sentimento vigente para outros, e aí se dá a confusão. Neste caso, o epitáfio é prematuro, pois o sentimento ainda não morreu.
Outra frase de Nietzsche, esta mais conhecida e menos enigmática é: o que não nos mata nos torna mais fortes. O que serve de consolo para humoristas obrigados a enfrentar os que não entenderam a piada.
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* Jornalista. Escritor. Cronista
Fonte: ZH online, 27/01/2014
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