segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

“Antes de 2030 vamos poder namorar com robôs”


Ray Kurzweil, de 63 anos, é o maior futurista do mundo. Afirma que nos próximos 20 anos o computador terá inteligência humana e que a morte será contornável
O guru do futuro preferido do ex-Presidente Bill Clinton e do fundador da Microsoft, Bill Gates, diz que daqui a 15 anos teremos uma explosão de inteligência, com andróides para limpar a casa. Até lá, toma 150 vitaminas por dia para se aproximar da imortalidade.

Recebeu três condecorações presidenciais pelo seu trabalho, acumula 19 doutoramentos, é autor de seis livros, sendo cinco bestsellers, e tem mais de 15 patentes em seu nome, além de um património avaliado em mais de 22 milhões de euros.

Nada disso, porém, deu ao americano Ray Kurzweil (na imagem), 63 anos, cientista, inventor e um dos mais importantes futuristas do mundo, o que sempre quis: a imortalidade. Mas não desanima. “Não há nada que diga que temos de envelhecer e morrer”, insiste Kurzweil, que segue obsessivamente a sua própria dieta.

Uma das suas previsões é que a vida humana poderá estender--se de forma quase ilimitada a partir de 2036.

Como é que se tornou futurista?


Sou inventor desde os 5 anos. Nos anos 80, percebi que as coisas precisam de ser criadas para funcionar na hora certa. E para criar algo para o futuro, tinha de saber como seria o futuro.

O que é que fez?

Juntei dados da evolução tecnológica de vários sectores e observei padrões interessantes. Um deles foi que a potência disponível de computação aumenta exponencialmente com o tempo, enquanto o preço da tecnologia cai drasticamente. Avaliei dados de 1890 a 1980 e vi que a trajectória de evolução era estável e previsível. E a curva ascendente era exponencial. Duplicava a cada etapa de tempo e as etapas estavam cada vez mais curtas. Em 1900 a potência dobrava a cada três anos, em 1950 a cada dois anos e em 1980 a cada ano e meio. Hoje duplica a cada 11 meses.

E o que é que isso revela sobre o futuro?

Criei um modelo que me mostra quais as ferramentas tecnológicas que estarão ao meu dispor em diferentes momentos. Esse modelo aplica-se em vários campos. Tendemos a achar que as coisas continuarão a evoluir ao ritmo que conhecemos, mas a realidade não é essa.

Pode dar um exemplo da aplicação do modelo?
No começo do Projecto Genoma previ que levaríamos 15 anos para sequenciar todo o genoma humano. Os cépticos argumentavam que levaria centenas, milhares de anos. Uns sete anos depois do início do projecto, só 1% estava concluído. Vieram atrás de mim dizer que, se demorou sete anos para fazer 1%, vai levar 700 para completar 100%. Respondi que não. Afinal, quando se chega a 1% da execução de um projecto, cuja velocidade aumenta exponencialmente, só precisamos de sete duplicações na velocidade para chegar aos 100%. Foi o que aconteceu.

Como é que o conceito da singularidade, criado por si, se encaixa nesse raciocínio?

A singularidade é o ápice, o fim desse crescimento exponencial. Há várias formas de definir a singularidade. Uma delas é a explosão da inteligência. Em 2029 o computador terá inteligência humana e será superior a nós. Terá uma memória perfeita, comunicação veloz e habilidade para se aperfeiçoar. É uma transformação tão poderosa que lhe chamamos singularidade, é um conceito da física. A partir de 2045 a sociedade e a vida como a conhecemos transformar-se-ão tanto que é difícil prever como será.

Como será o mundo na singularidade?
Passaremos boa parte do tempo em ambientes de realidade virtual. A partir de 2030, as realidades fabricadas pelas máquinas serão transmitidas para o nosso cérebro. Os computadores simularão os sinais produzidos pelos nossos sentidos. Poderemos recriar a praia, com a areia entre os dedos ou outras experiências sensoriais.

Teremos robôs andróides?

Nos próximos 15 anos teremos robôs para limpar a cozinha e lavar a louça, por exemplo. Pouco depois teremos robôs que cuidarão de pessoas doentes. E antes de 2030 poderemos até namorar robôs. Os computadores passarão o teste de Turing, criado para distinguir a inteligência artificial da humana, em 2029. Ou seja, não conseguiremos fazer essa distinção no plano intelectual. Teremos relações emocionais com os computadores porque as reacções deles não se distinguirão das nossas.


Veja o trailer do filme 'Uma História de Amor' ('Her', no título original), de Spike Jonze, em que um escritor se apaixona pela voz de um sistema de inteligência artificial, desenhado para responder às suas necessidades. O filme conta com os actores Joaquin Phoenix e Scarlett Johansson.

Concorda que um futurista é um optimista?
Fui acusado de ser optimista, mas não vivo alheio aos perigos da tecnologia, que é uma faca de dois gumes. Hoje podemos reprogramar a biologia para evitar doenças, mas a mesma tecnologia pode ser usada por bioterroristas para reprogramar um vírus e transformá-lo em arma biológica. Mas não acho que a solução seja dispensar a tecnologia. Acredito na ideia de a usar para criar defesas. Sou optimista, mas não utópico.

Não é perigoso os computadores desenvolverem-se a si próprios?

Esse medo não faz sentido. Os computadores já fazem parte da nossa vida. Já colocamos parte das nossas obrigações, memórias pessoais, sociais e históricas nas mãos das máquinas. Não é um futuro que chega como uma invasão alienígena.

Que avanços tecnológicos em uso podem mudar o futuro na saúde?
Hoje temos o software da vida, o genoma humano. Podemos reprogramar o nosso genoma como se reprograma um computador.

Mas o que poderia ser feito?
Eu gostaria de poder dizer aos meus receptores de gordura que eles não precisam de armazenar todas as calorias que eu ingerir porque sei que a próxima estação de caça será boa. Assim, posso comer sem engordar. Isso já foi feito em ratos.

Viver eternamente é possível?

Não há nada que diga que temos de envelhecer e morrer, pois tudo pode ser contornado com engenharia genética. Não há necessidade de adoecermos. O processo de evolução biológica foi criado, originalmente, para manter as espécies vivas tempo suficiente para se reproduzirem. Há mil anos a expectativa de vida era de 23 anos. No século XIX era de 37. Creio que poderemos contornar as razões que nos levam à morte.

Como lida com a inevitabilidade da sua morte?


Aceito, mas acho que posso estender a vida. Escrevi três livros de saúde. No último, com o médico Terry Gross, falamos de três pontes que devem ser cruzadas para viabilizarmos a extensão radical da vida. A primeira é o que se pode fazer agora. Como muito bem e tomo suplementos – 150 vitaminas por dia. O meu objectivo é chegar à segunda ponte, daqui a 15 anos: o desabrochar da revolução biotecnológica. Poderemos reprogramar os processos de informação que regem a nossa própria biologia, afastando-nos das doenças e do envelhecimento.


E há uma terceira ponte?
A terceira ponte é a revolução da nanotecnologia. Teremos robôs, do tamanho das células, que entrarão no corpo, melhorarão o nosso sistema imunológico, aumentarão a nossa inteligência e o nosso tempo de vida. Estamos a 25 anos disso e a 15 de começar a aumentar um ano de vida a cada dois anos.

Que previsões já errou?

Escrevi um ensaio de 150 páginas com um balanço de todas as previsões dos últimos 25 anos. Das 147 previsões a ser cumpridas até 2009, 86% estavam correctas. A média de acerto dos futuristas é de 10%. Mas uma das erradas é a que teríamos carros que se conduziriam sozinhos em 2009. Eles existem, mas não da maneira ampla que previ.
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Reportagem Por João Loes/Isto É
Fonte: http://www.sabado.pt/16/02/2014

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