domingo, 26 de julho de 2015

As possibilidades

Na hipótese de um deles ir a votação, a expectativa de que seja aprovado ainda é baixa. Não há, pelo menos até agora, uma ruptura profunda na base aliada – e um processo de impeachment precisa ser apoiado por três quintos dos deputados, e não pela chamada maioria simples, quando metade mais um é suficiente.
O cientista político Pedro Fassoni Arruda, da PUC-SP, ressalta que a presidente precisa de um apoio que vá além do Congresso. Só assim ela sobreviverá com certa segurança até 2017, quando enfim a economia deverá dar sinais de recuperação. Mas a relação com movimentos sociais e sindicatos está abalada desde que o governo tornou mais rígido o acesso dos trabalhadores ao seguro-desemprego, à pensão por morte e ao auxílio-doença.
– São esses grupos que poderiam defender o mandato nas ruas. Agora, se Dilma perde apoio no Congresso e perde nas ruas também, aí fica difícil – reflete Pedro Fassoni Arruda.
A tendência é de que só o último ano de mandato seja mais leve. Para ela e para o Brasil todo.
– Além do poder de consumo voltar a crescer, as pessoas estarão em uma época propícia para a reposição de bens. Muita gente comprou  carro nos últimos tempos, por exemplo, e hoje a demanda se esgotou.
Essa demanda deve voltar daqui a dois anos – prevê Valeriano Costa.
Até lá, Dilma terá de enfrentar um cenário adverso, com popularidade minguante e necessidade de avançar no Congresso um ajuste fiscal impopular – que é criticado por setores do seu próprio partido e colide com as promessas da campanha eleitoral –, enquanto a base aliada dá sinais de dissolução. O economista Pedro Fonseca avalia que o clima de radicalização que vem pautando a análise de projetos é péssimo para o país.
– Parte da oposição que cobrava o ajuste ortodoxo agora vota contra essas propostas para desestabilizar o governo. Isso mostra ausência de projeto na oposição, é uma coisa séria – avalia Fonseca.


Para piorar, as denúncias de corrupção não devem dar trégua, dificultando qualquer tentativa de emplacar uma “agenda positiva”. Como a Lava-Jato não tem previsão de término, a capacidade de resistência e de articulação do governo é colocada à prova de forma permanente.
– Um procurador da República disse que as investigações ainda demoram dois anos. Eu pergunto: sobrará Brasil? O quadro é dramático. Houve uma derrocada do poder presidencial. Dilma perdeu a capacidade de liderar a agenda política e de pautar o Congresso comandado por um inimigo. Isso tudo é fato – preocupa-se o jurista Lenio Streck, professor de Direito Constitucional da Unisinos.
O que pode levar a presidente a cair
Há um fator fundamental para que o impeachment ocorra de fato, muito mais decisivo do que uma eventual condenação da presidente por pedaladas fiscais, muito mais determinante do que o desenrolar da Operação Lava-Jato.
– É preciso que haja um consenso na sociedade – sublinha o cientista político Valeriano Costa, da Unicamp. – E, por enquanto, ainda não temos.
Há uma série de setores organizados contrários à derrubada de Dilma, não só entre entidades tradicionalmente ligadas ao PT – como centrais sindicais e movimentos populares –, mas também entre organizações mais independentes, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e associações de profissionais liberais. Não deixa de ser um reflexo do que se vê na população: na pesquisa da CNT/MDA da semana passada, o percentual de entrevistados favoráveis ao impeachment foi de 63%. É bastante, mas não o suficiente.
– Nas condições atuais, Eduardo Cunha até pode levar adiante um processo de afastamento, mas o Congresso sabe que provocaria uma grande convulsão social se o aprovasse – diz Bruno Sciberras de Carvalho, professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro.




Embora ainda pareça improvável, não é impossível que o tal consenso na sociedade se materialize mais adiante. Foi o que houve com Fernando Collor, em 1992, quando o então presidente foi à TV pedir apoio do povo e recebeu em troca o repúdio unânime das ruas.
Portanto, se porventura os escândalos de corrupção atingirem Dilma Rousseff mais diretamente, a ponto de nem o grupo que apoia o PT sentir-se confortável para defendê-la, a ponto de grande parte da base aliada avaliar a situação como insustentável, aí sim, a presidente pode cair.
– É um julgamento muito mais político do que jurídico – salienta o doutor em Ciência Política Fernando Guarnieri, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, lembrando que, na Justiça, Collor foi absolvido após enfrentar o processo de impeachment há 13 anos.
A verdade é que, até aqui, nem na oposição há um consenso. O senador Aécio Neves, do PSDB, simpatiza com o impeachment desde que o vice-presidente Michel Temer também caia, hipótese bem remota. Neste caso, quando o afastamento ocorre na primeira metade do mandato, uma nova eleição precisa ser convocada em até três meses – e Aécio seria o nome mais forte entre os eleitores.
Mas para o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e para o senador José Serra, ambos também do PSDB, é melhor ver Dilma sangrando até 2018, quando tentarão se lançar à Presidência com o governo petista desgastado.
– Mas é evidente que, dependendo do rumo das coisas, todos mudam de posição. Se o diálogo do Planalto com o parlamento seguir tão ruim, um deputado que hoje hesita em apoiar o impeachment pode amanhã sentir-se contrariado e passar a apoiar – diz o cientista político Pedro Fassoni Arruda, da PUC de São Paulo.
Ao avaliar um eventual processo de afastamento da presidente, a oposição calcula riscos. Caso a cassação de Dilma seja levada a cabo prematuramente, um dos temores é que o PT possa ressurgir com o discurso de que foi vítima de um golpe, o que talvez fortalecesse uma candidatura de Lula em 2018. Mesmo em caso de eventual rejeição pelo TCU das contas do governo Dilma (entenda o caso nos tópicos desta página), caberia uma discussão jurídica.
– Não é claro que a reprovação das contas abra um pedido de impeachment, porque pela lei precisaria haver um malfeito no mandato. Caberia questionamento de muitas tecnicidades no Supremo – prevê o cientista político Leonardo Avritzer.




As próprias pedaladas fiscais também provocam muita controvérsia. O economista Pedro Fonseca, professor da UFRGS, lembra que o mecanismo é amplamente usual em economia por diferentes governos, inclusive no Estado do Rio Grande do Sul:
– É uma coisa bastante comum e nunca foi questionada, nunca foi motivo para impeachment. Se é certo ou errado é outra história, mas teria de se consolidar uma jurisprudência em relação a isso – avalia.
Diante de tantos poréns, muitos analistas tendem a acreditar que Dilma sofrerá mais desgastes se permanecer no cargo do que se for removida dele. A menos, claro, que surjam fatos novos que a liguem diretamente aos escândalos da Lava-Jato.
Enquanto a tempestade segue seu curso e o convés oscila, a população aguarda que a borrasca passe sem levar tudo a pique. Ainda há muito mar pela frente.
VIAS PARA O IMPEACHMENT

Contas rejeitadas
A AMEAÇA: o TCU está prestes a julgar o caso das “pedaladas fiscais”. Para fechar as contas de 2014, o governo utilizou recursos de bancos públicos, e não do tesouro nacional, o que configuraria crime de responsabilidade fiscal.
OS TRÂMITES: se o TCU rejeitar as contas e a oposição abrir pedido de impeachment com base no julgamento, é preciso que três quintos dos deputados votem pela cassação. Depois, o Senado ainda precisa aprovar o impeachment por maioria simples. Caso a presidente seja afastada, assume o vice Michel Temer.
A DEFESA: o governo argumenta que todos os gastos foram lícitos e que gestões anteriores (incluindo a de Fernando Henrique Cardoso) também usaram recursos de bancos públicos.
Campanha em xeque
A AMEAÇA: após representação ajuizada pelo PSDB, o TSE analisa se a campanha de Dilma à reeleição foi financiada por dinheiro proveniente do esquema da Petrobras.
OS TRÂMITES: uma eventual cassação nem passaria pelo Congresso. Se o tribunal entender que a campanha recebeu verba ilegal, pode cassar a chapa eleita – ou seja, Dilma e Temer. Neste caso, o presidente da Câmara assumiria e teria até três meses para convocar uma nova eleição.
A DEFESA: o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, nega as doações ilegais.
Sucessão de pedidos
A AMEAÇA: Eduardo Cunha, recebeu na semana passada o 12º pedido de impeachment da presidente, a maioria protocolada por cidadãos comuns, e um pelo deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ).
OS TRÂMITES: ao solicitar aos autores que fizessem “adequações jurídicas” nos pedidos, Cunha sinalizou que pode levá-los a votação. É preciso a aprovação de três quintos dos deputados e da maioria simples do Senado. Temer assumiria.
A DEFESA: o governo tem repetido que não há evidências que possam relacionar Dilma a qualquer irregularidade.

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