quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

" O Caso Nisman "

Artigo ZH 


LÉO GERCHMANN
Jornalista, repórter especial de ZH

Bons tempos aqueles em que falávamos “vamos trocar ideias” e realmente o fazíamos. A expressão surrada entrou em desuso. Uns chamam outros de “petralhas” e estes vomitam “coxinhas”. “Argh!”, para ambos. Raros se abrem ao contraditório. Para haver troca, é necessária, por definição, a vontade de dar argumentos e recebê-los, com honestidade intelectual até para eventualmente ser convencido.
Mas, apesar de termos entre nós quem justifique as medalhas da Marisa ou a seca do Alckmin, não vou falar sobre o Brasil. Vou falar sobre a Argentina. A morte do procurador Alberto Nisman com um tiro na têmpora direita às vésperas de depor ao Congresso acusando o acobertamento do governo à suposta participação iraniana em atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia) foi um tsunami que cobriu Puerto Madero e rebentou na Casa Rosada. Poucos creem em simples suicídio. Como disse o jornalista Jorge Lanata, “por favor, crianças” _ não sejamos ingênuos.
Os indícios de homicídio ou indução ao suicídio são eloquentes como provas concretas. Nisman vinha sendo ameaçado e não teve mãos sujas de pólvora. Não deixou carta de despedida, mas escrevera a lista de compras. E por aí vai.
A coincidência da morte com o dia anterior ao depoimento é reveladora do quanto seria delirante imaginá-lo decidindo pôr termo à própria vida. Mas o governo insinua, acompanhado de acólitos, que opositores poderiam ter provocado a morte de Nisman para incriminar a presidente Cristina Kirchner. Textos de realismo fantástico inundam a mídia chapa-branca. Parte da intelectualidade perdeu o rumo.
O atentado à Amia, em 1994, deixou 85 mortos. Somados aos 29 do ataque à embaixada de Israel, dois anos antes, são 114. Muitos dizem que Nisman foi a 115ª vítima. Gente da pesada queria seu silêncio, não necessariamente gente do governo. Será que ele se limitaria ao documento de 300 páginas? A tendência é de que o “Caso Nisman” fique pendente, como os da embaixada e da Amia. Pelo menos, a comunidade judaica local decidiu não enterrar Nisman como suicida. Foi um gesto de altivez e desagravo. E, depois de tantas mortes, a vida segue a mesma.

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