- EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 19/11
Por razões que só a razão explica, o Palácio do Planalto ainda não regulamentou a Lei Anticorrupção, que prevê a responsabilização objetiva de empresas em casos de corrupção.
Caso já estivesse regulamentada, a Lei Anticorrupção, aprovada pelo Congresso logo após as manifestações de junho de 2013, poderia evitar uma discussão que agora se levanta sobre a responsabilidade das empreiteiras nas maracutaias que estão vindo à tona a partir das delações de Paulo Roberto Costa e de Alberto Youssef.
E, com isso, a discussão sobre a responsabilidade das empreiteiras na razzia praticada contra a Petrobrás deixa muito à vontade quem postula que caberá apenas a responsabilização de pessoas físicas. É claro, no entanto, que, existindo a Lei Anticorrupção, essa solução seria um preço muito baixo para empresas que cometeram delitos da gravidade e da extensão denunciadas. É preciso investigar com diligência e prudência, estabelecendo as conexões e as responsabilidades, para que, no momento certo, possa se afirmar quem deve ser punido e quem não deve.
A precipitada atitude de dizer nesse momento que, caso as grandes empreiteiras sejam responsabilizadas e declaradas inidôneas para participar de licitações, ocorrerá uma paralisação generalizada das obras públicas não passa de uma cortina de fumaça, como se tais empresas fossem importantes demais para serem responsabilizadas.
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Não cabem raciocínios desse quilate, como se existisse no Brasil imunidade por grandeza ou por importância. Ao contrário, a punição às empresas pode - se for o caso de puni-las - produzir efeitos muito benéficos, como, por exemplo, as empreiteiras redirecionarem a sua atuação para a atividade que lhes correspondia originalmente - tomar empreitadas -, deixando de participar diretamente de concessões de serviços públicos.
Houve um tempo, ainda não tão distante, em que eram os consórcios de empreendedores - e não as empreiteiras - que participavam dessas licitações. Esse retorno à atividade original pode ser benéfico para todos os envolvidos. Muita proximidade com o governo não faz bem a essas empresas nem muito menos aos governos.
No entanto, o governo de Dilma Rousseff ainda não regulamentou a Lei Anticorrupção, omissão essa que acaba dando espaço a especulações com as quais um país sério não precisaria ter de lidar. O decreto presidencial que regulamentaria a lei está sendo prometido desde o início do ano.
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Em janeiro, o ministro da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, afirmou que o decreto estava quase pronto, bastando apenas passar pelo crivo da presidente Dilma. Recentemente, ao ser questionado sobre o atraso de mais de dez meses, Hage alegou que as eleições retardaram a discussão sobre o assunto, mas "tudo indica que sairá muito proximamente o decreto".
Já passa da hora de regulamentar a Lei Anticorrupção. No mês passado, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou um relatório no qual frisava a importância dessa lei para o combate à corrupção, ao mesmo tempo que ressaltava que a falta de regulamentação privava o País de importantes instrumentos de combate à corrupção, como a responsabilização objetiva (não se necessita comprovar dolo ou culpa) das pessoas jurídicas por atos lesivos à administração pública e a possibilidade de acordo de leniência, uma figura equivalente à delação premiada para as empresas. A OCDE dizia que o Brasil havia dado um grande passo com a aprovação da lei pelo Congresso. Era, obviamente, um elogio limitado, pois os efeitos desse passo ainda estavam no ar em razão da falta de regulamentação.
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Diante das graves denúncias envolvendo a Petrobrás e grandes empreiteiras, a não regulamentação da Lei Anticorrupção pode sair muito cara à presidente Dilma. As concretas denúncias envolvendo a Petrobrás e grandes empreiteiras podem sugerir aos desavisados que a demora excessiva na regulamentação de uma lei que veio cumprir um desejo explícito da sociedade tem o propósito de não perturbar o sono dos corruptos.
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