sábado, 31 de maio de 2014

" Um homem e seus cigarros "

Artigo Zero Hora


ENIO LEITE CASAGRANDE
Cardiologista, coordenador do Serviço de Checkup do Hospital Moinhos de Vento
 
Há alguns anos, atendi um cidadão de 60 anos, fumante pesado, 40 a 60 cigarros por dia.
 
Foi taxativo: eu quero acabar com isso antes que isso acabe comigo!
Chamou-me atenção a determinação daquele homem. Os melhores resultados do tratamento antifumo oscilam em torno de 35% de abstinência em um ano e era o que eu poderia oferecer-lhe. Caberia a ele arcar com os outros 65%. A ajuda dos familiares e amigos é fundamental. A escolha da data é relevante e ele já havia definido: decidira presentear-se no Natal.
 
Expliquei as etapas do tratamento, os gatilhos (hábitos que suscitam o desejo de fumar: cafezinho, chope, ligar a TV etc.), a síndrome de abstinência _ irritabilidade, mau humor e uma vontade incontrolável de fumar, e a “fissura” que consiste em mandar tudo às favas e agarrar-se ao cigarro mais próximo.
 
Uma dieta saudável e exercícios físicos melhoram a disposição, ajudam na superação da abstinência, no controle do peso e na prevenção da depressão. Ele ouviu atentamente e concordou: enfrentaria o desafio. Iniciou o tratamento, e parou de fumar no Natal.
 
 No dia 31 de dezembro me ligou tomado por uma terrível crise de abstinência que o estava levando à fissura.
 
Recomendei que usasse os tabletes de nicotina (cada um equivale a quatro cigarros). Na consulta seguinte, contou-me que se pusera a cheirar desesperadamente um cigarro, com o sentimento de que estivesse se despedindo de um ente querido.
 
 O tratamento prosseguiu, ele conseguiu lidar com os seus tormentos. Foi uma árdua travessia, e ao cabo de 12 semanas já não fumava. Chegara ao seu destino, conquistara a duras penas o troféu: estava livre do fumo.
 
 Após seis meses, teve síndrome de abstinência. Novo tratamento, a crise foi debelada e abrandaram-se as turbulências. Vários verões depois, recebi um telefonema na praia. Voz alegre, meu paciente lembrou-me: neste verão completam-se 10 anos que parei de fumar e me tornei um cara saudável!

 

Este relato _ de uma situação real _ é também uma reflexão sobre os principais aspectos do tratamento antitabágico e as dificuldades e armadilhas da dependência de nicotina. Determinação e participação ativa do paciente, família e amigos fazem a diferença.

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