Marcelo Gleiser*

O aqui e o agora não existem de forma concreta: são uma
representação criada a partir de um truque cognitivo
Como já disse Gilberto Gil, "o melhor
lugar do mundo é aqui e agora". Todo mundo sabe exatamente o que isso significa,
"aqui" e "agora". Mas se paramos para pensar sobre o assunto, descobrimos que
nenhum dos dois existe, ao menos de forma concreta. O que existe é uma
representação do aqui e do agora em nossas mentes, criada a partir de um truque
cognitivo.
No fim das contas, o aqui e o agora são
invenções do nosso cérebro, e não entidades que existem, como você ou a cadeira
em que você se senta.
A nossa percepção do real, da realidade, é
produto de uma integração extremamente complexa feita por nossos cérebros. São
incontáveis estímulos sensoriais, imagens, sons, cheiros, tato, que são
recolhidos pelos nossos órgãos, transferidos por impulsos nervosos ao nosso
cérebro e lá, em regiões diversas, integrados para criar o que chamamos de
realidade. O aqui e o agora são exemplos dessa integração, aproximações que
criamos para que seja possível funcionar no mundo: sem uma noção do "aqui", como
nos posicionarmos no espaço? Sem uma noção do "agora", do "presente", como ligar
passado e futuro?
Que o cérebro constrói a realidade não deve ser
surpresa para ninguém. Basta alterar seu funcionamento, após algumas cervejas,
uma noite sem dormir ou com o uso de drogas, que nossa percepção do "real" é
profundamente afetada. Ninguém dá muita bola para isso, até que acontece alguma
coisa. Num caso mais extremo, a demência leva à destruição do indivíduo, do que
chamamos de "eu". Quem você é e como você se relaciona com o mundo externo
depende exclusivamente de como o seu cérebro integra informação sensorial e as
memórias registradas do passado.
O presente, em particular, é uma construção
cognitiva fascinante. O tempo flui continuamente, ou assim o percebemos. Mas não
temos um relógio dentro das nossas cabeças; o que temos são impulsos externos,
estímulos que vêm de fora para dentro, aliados a mecanismos internos, como o
bater do coração. Quando vemos algo, fótons de luz são recebidos pela retina de
nossos olhos, e um impulso é transmitido pelo nervo óptico até a região
posterior do cérebro, onde é analisado e transformado numa imagem. Vemos o mundo
de dentro para fora de nossas cabeças! E o que chamamos de presente é uma
ilusão.
Quando olhamos em torno, vemos objetos a
distâncias diferentes ao mesmo tempo. Mas sabemos que a luz tem uma velocidade
finita: o tempo que demora para viajar de um objeto mais distante é maior.
Portanto, quando olhamos, por exemplo, para uma árvore e uma nuvem no céu, e
vemos os dois objetos ao mesmo tempo, estamos, na verdade, vendo a árvore antes
da nuvem; objetos mais distantes estão num passado mais longínquo. Mesmo o seu
laptop ou o jornal que você lê não estão sendo vistos agora, mas um bilionésimo
de segundo no passado, que é aproximadamente o tempo que a luz demora para ir da
tela até os seus olhos.
Quando nos referimos ao presente, estamos, na
verdade, nos referindo a uma ilusão construída por nossos cérebros. Nunca vemos
nada como é "agora". O presente existe apenas em nossas cabeças.
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