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PEDRO GONZAGA 
Acabo de me lembrar (agora é tarde) de um famoso manual de redação que recomendava nunca começar um texto por referências climáticas. Até porque já começo: Na fria manhã de maio, o prato surge luminoso e tóxico, para júbilo de meu pai, que pergunta por meu vaticínio, reerguendo em minha mente a triste história de um cronista que, para seu infortúnio, piedosos leitores, entrou na mais virulenta polêmica de sua carreira no dia em que declarou que o último mocotó seria servido em 2047.
Eu recém começara a fazer crônicas, a convite da Katia Suman, primeiro no rádio, depois na televisão. Animava-me ainda o vaidoso desejo de polêmica. Desfilava ideias que a mim pareciam originais e provocantes, moventes em seu brilho. Nenhuma reação dos espectadores. Desiludido, conformei-me em entreter. Um dia, insciente, mencionei uma singela pesquisa que havia feito no cursinho. Líamos um conto e de súbito aparecia um prato de mocotó na história.

Descobri, satisfeito, muitos esgares entre os alunos. Levado por um interesse científico – juro que não pesava o dito de meu pai, a linha divisória entre o moleque e o homem é o mocotó –, fiz uma enquete na Sala 8 do Unificado. Dos 300 presentes, apenas 12 réus confessos. Depois bastou projetar essa minoria no tempo, à idade em que começariam as restrições alimentares.
2047: o ano da graça do último prato de mocotó.
Disse isso no ar, entre risadas da equipe da tevê. Mas, ao abrir o computador em casa, desceu uma chuva de e-mails: cegueira, desrespeito às tradições e ao quitute que nos lares gaúchos jamais faltaria.
Tentei em vão me defender. Mesmo o programa recebera protestos e ameaças. Passei a olhar para os lados na rua. Sou gordo, sempre um alvo fácil.
No domingo seguinte, almoçava com meu pai numa churrascaria quando um dos donos (que vira o programa) se aproximou com um balde branco. O nosso mocotó, ele disse. Procurei pelo adesivo de ameaça biológica. Nada. Na saída, meu pai me encarregou de levar o presente. Mancomunado com a Katia, os dois haviam escondido um fotógrafo para o flagra. A imagem acabou indo ao ar. E os que antes estavam do meu lado, agora me acusavam de jabá.
Por fim, a polêmica arrefeceu, como sói ocorrer. Até que um dia senhora patusca, compactada em descomunal vestido, gargalha no meio da rua, aponta para mim e grita: o homem do mocotó!
Triste fim do Policarpo Quaresma do Bom Fim.
Ao menos até 2047 chegar.
Acabo de me lembrar (agora é tarde) de um famoso manual de redação que recomendava nunca começar um texto por referências climáticas. Até porque já começo: Na fria manhã de maio, o prato surge luminoso e tóxico, para júbilo de meu pai, que pergunta por meu vaticínio, reerguendo em minha mente a triste história de um cronista que, para seu infortúnio, piedosos leitores, entrou na mais virulenta polêmica de sua carreira no dia em que declarou que o último mocotó seria servido em 2047.
Eu recém começara a fazer crônicas, a convite da Katia Suman, primeiro no rádio, depois na televisão. Animava-me ainda o vaidoso desejo de polêmica. Desfilava ideias que a mim pareciam originais e provocantes, moventes em seu brilho. Nenhuma reação dos espectadores. Desiludido, conformei-me em entreter. Um dia, insciente, mencionei uma singela pesquisa que havia feito no cursinho. Líamos um conto e de súbito aparecia um prato de mocotó na história.

Descobri, satisfeito, muitos esgares entre os alunos. Levado por um interesse científico – juro que não pesava o dito de meu pai, a linha divisória entre o moleque e o homem é o mocotó –, fiz uma enquete na Sala 8 do Unificado. Dos 300 presentes, apenas 12 réus confessos. Depois bastou projetar essa minoria no tempo, à idade em que começariam as restrições alimentares.
2047: o ano da graça do último prato de mocotó.
Disse isso no ar, entre risadas da equipe da tevê. Mas, ao abrir o computador em casa, desceu uma chuva de e-mails: cegueira, desrespeito às tradições e ao quitute que nos lares gaúchos jamais faltaria.
Tentei em vão me defender. Mesmo o programa recebera protestos e ameaças. Passei a olhar para os lados na rua. Sou gordo, sempre um alvo fácil.
No domingo seguinte, almoçava com meu pai numa churrascaria quando um dos donos (que vira o programa) se aproximou com um balde branco. O nosso mocotó, ele disse. Procurei pelo adesivo de ameaça biológica. Nada. Na saída, meu pai me encarregou de levar o presente. Mancomunado com a Katia, os dois haviam escondido um fotógrafo para o flagra. A imagem acabou indo ao ar. E os que antes estavam do meu lado, agora me acusavam de jabá.
Por fim, a polêmica arrefeceu, como sói ocorrer. Até que um dia senhora patusca, compactada em descomunal vestido, gargalha no meio da rua, aponta para mim e grita: o homem do mocotó!
Triste fim do Policarpo Quaresma do Bom Fim.
Ao menos até 2047 chegar.
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