sábado, 19 de dezembro de 2015

" O Rito , a Ressaca e a Esperança "







Nossos votos são para que não se proteja nenhuma autoridade em dívida criminal ou moral


Adeus, ano legislativo de 2015. Agora, nós devemos cumprir nosso rito de verão com nossas famílias, em clima de paz e na maior leveza possível, respeitando as divergências e data venia, já que juízes, senadores e deputados decidiram manter o recesso e empurrar as grandes decisões para depois das festas de Momo. Não deveriam. O momento é grave e exigiria a volta dos trabalhos em janeiro, mas os Três Poderes ainda pensam que Deus é brasileiro.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o maior sobrevivente do ano, o mais manchado por denúncias de roubo e propinas, com o nome carimbado em contas e gravações, permanece onde sempre esteve, ileso, frio, tranquilo e impassível como Bruce Lee. O Supremo Tribunal Federal o esganou de um lado, cancelando a sessão mais maluca da Câmara, que buscava impedir a presidente Dilma Rousseff em voto secreto e atabalhoado. Mas, para compensar, deu a Cunha Chikungunya um balão de oxigênio até fevereiro.

A presidente Dilma Rousseff comemora a virada abraçada à ala peemedebista do presidente do Senado, Renan Calheiros – exemplo de honradez pessoal e política como era seu padrinho, José Sarney. E também apoiada pelos movimentos sociais de esquerda que tanto criticam seu modelo econômico e que cobrarão a conta em 2016. Dilma acende a vela a deus e ao diabo, faz promessa e reza para os santos das causas impossíveis. Pede com fervor, entre uma pedalada e outra, que sua impopularidade não suba para 80% até fevereiro, com a economia do país em frangalhos.

O vice-presidente e presidente do PMDB, Michel Temer, fecha o ano como o maior derrotado, um abajur decorativo retrô no Palácio do Planalto, sem saber ainda em que tomada conseguirá acender sua retórica. Temer termina 2015 acossado por Renan como “coronel de partido” e “ajudante de pedalada fiscal”. Deprimente para quem achava que tinha o PMDB na mão. Temer tem de suportar calado (aliás, como quase sempre) o desafio do deputado federal Leonardo Picciani, líder na Câmara, do PMDB da D.

Vamos torrar no sol e brindar com água, caipirinha ou champanhe nacional o fim de um ano histórico, em que os podres de políticos e empresários vieram à tona em jatos. Faltou água, sobrou lixo tóxico. Foi um ano em que a TV Justiça transmitiu um seriado que parecia inverossímil, com delatores, heróis e vilões se alternando nos papéis.

Cada episódio, chamado de “Operação”, ampliava as quadrilhas e suas ramificações. Começando pela Lava Jato, os nomes foram criativos, literários, irônicos e simbólicos. Operação My Way. Operação Que País é Esse. Operação A Origem. Operação Erga Omnes. Operação Conexão Mônaco. Operação Politeia. Operação Radioatividade. Operação Pixuleco. Operação Nessun Dorma. Operação Corrosão. Operação Passe Livre. Operação Crátons. Operação Vidas Secas. Operação Catilinárias. Operação Sangue Negro. O Brasil acompanhou com brigas ferozes nas redes sociais as delações, os mandados de busca e apreensão e as prisões feitas pela Polícia Federal.

A grande represa de Brasília se rompeu. Como deviam rir os corruptos, quando a imprensa denunciava mordomias como passagens aéreas e outras! Tudo fichinha. O rombo real era de outra ordem, milhões e bilhões de dólares, passados de mão em mão, de conta em conta, de estatal a governo, de governo a empresário e vice-versa, e até de país a outro país. Bons pagadores de propinas. Mestres no achaque e no desvio de recursos públicos.

Escolham sua fantasia para brincar o Carnaval – porque até lá nenhuma peça no tabuleiro deve ser trocada, a não ser o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que lutou em vão para o Brasil não perder o selo de bom pagador. Perdeu, Levy. Perdeu a pose e o sorriso. Perdeu a meta e a voz. Perdeu o ajuste e o rumo.

O Brasil teve um choque de realidade em 2015, mergulhado na delação e na depressão, com gosto de ressaca. Podemos, por isso mesmo, insistir na esperança. Porque o povo não quer casuísmo nem ditadura fascista ou venezuelana. O povo também não quer uma democracia rebaixada. O populismo latino-americano incompetente está com os dias contados.

A esperança é que o Brasil, com a sociedade civil e as instituições, tenha a grandeza de punir de verdade os responsáveis por escândalos, desvios e crimes orçamentários. Os mandachuvas, e não só os paus-mandados. Os que deixaram na penúria, sofrendo com a inflação e o desemprego, uma grande fatia da população, que rejeita vilões de qualquer ideologia.

Nossos votos são para que não se proteja nenhum partido e nenhuma autoridade em dívida criminal ou moral. Que não vençam, em 2016, mais uma vez, o corporativismo e a impunidade. E que, antes do apagar das luzes do verão, a Samarco tome vergonha na cara e abrigue e indenize as vítimas do crime ambiental de Mariana. É pedir muito?

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