terça-feira, 23 de setembro de 2014

" Una Furtiva Lagrima "

Artigo Zero Hora 


GILBERTO SCHWARTSMANN
" ... a vida é muito mais do que a feiura que,
por vezes,acompanha épocas de eleições " ...

Médico e professor


 
 
 
Nestes tempos de eleições, não nos deixemos entristecer. Temos reservas de afeto de sobra para enfrentar momentos de maior pobreza espiritual. Pensemos no que há de belo nesta vida. As pessoas que queremos bem, os lugares onde queremos estar, aqueles que nos tratam com delicadeza.
A natureza ajuda. Neruda dizia que a poesia faz o vento soprar diferente. É capaz de “mudar os contornos da Cordilheira”. Nossos corações têm o poder de transformar a paisagem. Em “Os estatutos do Homem”, Thiago de Mello fala em “caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela”!

Eu uso a arte para as dores do coração. Faz-me sonhar, fingir que tenho várias vidas. A música me é instantânea. Como se o compositor confessasse a mim o que o aflige. “Mio Babbino Caro” de Puccini transfixa meu peito como um punhal afiadíssimo. “Adios Nonino” de Piazolla dá uma saudade imensa de meu pai. E no “Trenzinho Caipira” de Villa-Lobos vejo alguém que volta para casa, emocionado, depois de muito tempo.
O “Intermezzo” da “Cavalaria Rusticana” me põe em marcha, orgulhoso, à frente de um batalhão de centuriões, de volta a Roma, ainda que a ópera de Mascagni, a bem da verdade, fale de outra coisa. Pelas páginas dos livros, torno-me Dante Alighieri! Mando quem quero para os círculos do Inferno! Passo a ser eu, e não Irene, quem escuta os primeiros passos dos intrusos, que invadem a “Casa Tomada” de Julio Cortázar.
A arte liberta. Permite sentir o que os outros sentem. Respirar ar puro. Thiago de Mello conta que viu correr uma lágrima no rosto sujo de carvão de um mineiro chileno quando Neruda declamava uma poesia sobre as ondas do mar.
Tenho um gato preto, numa tela de Malagoli, que parece saltar da mesinha em que está pintado, para fazer-me companhia, nas noites de insônia. Tudo isto, os amores, as amizades, a natureza e a arte servem-me de antídoto. Lembram que posso amar, mesmo em tempos de vazio moral.
Até os ipês, que há algumas semanas começaram a dar flor, e as glicínias, que florescem por agora, sabem emocionar. Revelam que a vida é muito mais do que a feiura que, por vezes, acompanha épocas de eleições.


Nenhum comentário:

Postar um comentário