terça-feira, 30 de setembro de 2014

" Duplo Abandono " Editorial Zero Hora


Há indícios de que a burocracia não é a única responsável pela crueldade cometida contra crianças e adolescentes que deveriam estar _ mas não estavam _ na fila de espera de adoções em Porto Alegre. É inaceitável que falhas numa formalidade tenham tirado essa chance de dezenas de meninos e meninas. Um levantamento do Ministério Público constatou que pelo menos 10% das crianças acolhidas por abrigos de Porto Alegre não tinham seus nomes no Cadastro Nacional de Adoção. São 128 abrigados que certamente se sentiam confortados com a perspectiva de um dia terem uma casa.


O Ministério Público, que investiga as causas e as consequências da negligência, tem a missão de identificar os responsáveis pelo erro, não só para que respondam por seus atos, mas para que o erro não se repita. Há, entre as causas da falta de registro, a suspeita de que muitas crianças não teriam o perfil médio exigido por casais que se candidatam a adotar. A desculpa seria a de que de nada adiantaria inscrevê-las no cadastro, pois havia crianças com algum tipo de deficiência. 

É constrangedor, com a evolução de costumes e de conceitos em relação a adoções e ao que seja, afinal, uma família, que tais atitudes ainda prosperem. O mais lamentável é que posturas desse tipo estejam a orientar decisões excludentes, como essa que tira de uma fila crianças e adolescentes considerados “fora dos padrões”.


O preconceito não se sustenta, se levados em conta até mesmo os perfis de quem pretende adotar. É ultrapassada a visão segundo a qual a grande maioria dos casais deseja ter apenas crianças brancas. Também está superada a ideia _  e o próprio conceito _ de que todos devem ser saudáveis física e mentalmente. Ao contrário, repetem-se os casos de famílias que adotam crianças com deficiências e a elas se dedicam incondicionalmente. Configuram-se nesse casos um dos mais nobres gestos da adoção.

A pior consequência do erro é que crianças e adolescentes sofrem duplo abandono. Primeiro, ao não contarem com a família biológica e, depois, ao ficarem de fora da fila. Muitos chegam à idade adulta sem a chance de passar pelo processo formal que poderia levá-las a uma família adotiva. Os órgãos que falharam precisam ser identificados, até para que os prejudicados tenham direito a alguma forma de reparação.

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