Antonio Ozaí
da Silva*
“…carrego dentro de mim o que me mata. Falta-me tempo para as frivolidades, tenho nas mãos uma imensa tarefa. Como a realizarei? Vejo que a morte se apressa e a vida foge. Diante dessas duas pressões, ensina-me algum expediente! Faze com que eu não fuja da morte e que a vida não me escape. Exorta-me com relação ao que é difícil; dá-me longevidade contra aquilo que é inevitável. Vem alargar meu tempo, que é tão curto. Ensina-me que a boa vida não se mede pela duração mas como a empregamos. Acontece muitas vezes que uma longa vida não é realmente vivida”. (Sêneca)
O jovem almeja viver muito, mas
dificilmente se imagina idoso. A juventude parece-lhe eterna e raramente verá no
velho diante de si o espelho que reflete a sua imagem futura – isto se tiver a
sorte, ou azar, de viver muito, pois a ninguém é garantido atingir a velhice. Os
jovens, em geral, sentem-se imortais, a morte parecem-lhes mais apropriada aos
que chegaram à terceira idade – recusam-se a pensar na morte e nisto são
acompanhados por muitos idosos iludidos com a seqüência do passar dos dias.
Alguns até desdenham dos mais velhos – talvez, inconscientemente, seja uma
reação de auto-proteção e de recusa do futuro que se anuncia. “Um jovem”,
escreve Ernst Bloch, “pode imaginar-se como homem, mas dificilmente como idoso:
a manhã aponta para o meio dia, não para a noite. Em si é estranho que o
envelhecimento, na medida em que se refere à perda da condição anterior com ou
sem razão sentida como mais bela, só comece a ser percebido por volta dos
50anos. Não haveria perda para o jovem que deixa para trás a criança? E não
haveria uma perda para o homem quando deixa a florescência da juventude, quando
o impulso se atrofia?”
O cinquentenário parece anunciar o movimento de
descida. Agora, a vida desce ladeira abaixo. Há o risco de deprimir-se diante da
certeza de que a vida esvaece-se a cada dia e a morte parece mais próxima. O
otimista reage fazendo de conta que a vida não passou, iludindo-se com o apego à
juventude. O dito de que permanecemos jovens em espírito é um engodo. Não
há como negar que o tempo passou, as marcas na face, as doenças que irrompem, as
dores no corpo, a perda da vitalidade, etc., demonstram-no. “O tempo passa com
uma infinita velocidade, e só percebemos bem se olharmos para trás; o passado
escapa aos que se absorvem no presente, tal o modo pelo qual essa fuga ocorre
sutilmente”, afirma Sêneca.
Não é preciso enganar-se, fazer de conta de que
o tempo não passou, nem cair em depressão diante das dificuldades que o avançar
da idade impõe. Basta encarar com naturalidade. Começamos a morrer tão logo
nascemos, é a dialética da vida. Os jovens não estão isentos do sofrimento e as
dores do tempo não são exclusividade dos idosos. “Mas incomoda”, dizes, “ter a
morte em vida.” Em primeiro lugar, ela está sempre presente, quer para o velho
ou para o jovem – e não se trata aqui de consenso surgido de uma votação.
Depois, ninguém é tão velho que não possa reivindicar para si mais um dia. Um
dia é um degrau na vida”.
O mais importante na vida não é a longevidade,
mas o viver bem. Chegar à velhice não significa necessariamente ter vivido mais,
pois aquele que a morte abraçou em tenra idade viveu bem se intensamente. “Que
importa, afinal de contas, sair antes ou mais tarde de onde se deve mesmo sair?
O essencial não é viver por muito tempo, mas viver plenamente”. Pois, de que
adianta ao homem, “oitenta anos passados sem ter feito nada? Ele não morreu
tarde, mas ficou morrendo por longo tempo. Viveu oitenta anos, mas viveu mesmo?
Importa saber a partir de quando se conta sua morte?”
A medida da vida está em olhar para si mesmo e
contabilizar não o tempo, mas as ações e as relações humanas construídas. Se
olharmos para trás e sentirmos que valeu a pena viver, então a vida foi plena.
Por que, então, temer a velhice? A morte não escolhe idade, por que temê-la? “É
um homem muito feliz e com plena posse de si mesmo o que espera o amanhã sem
inquietude. Todo o que diz “já vivi” recebe cotidianamente mais um dia como
lucro”.
O amanhã não nos pertence! Portanto, encaremos com alegria ter vivido o que nos
foi permitido. Ainda que o tempo imprima marcas indeléveis no corpo e alma que
chega aos 50 anos de existência, nos alegremos por cada dia acrescentado ao
viver. Afinal, a velhice tem as suas vantagens!
[1]
SÊNECA. Aprendendo a viver. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p.
35-36.
[2]
BLOCH, Ernst. O Princípio da Esperança I. Rio de Janeiro: EdUERJ: Contraponto,
2005, p. 43.
[3]
SÊNECA. Aprendendo a viver. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p.
34.
Fonte:
http://antoniozai.wordpress.com/2012/11/24/sobre-a-velhice/
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