ANNA
VERONICA MAUTNER*
Minha casa é minha pele. Assim como cuidamos da higiene
pessoal, cuidamos da limpeza da casa
Que os instrumentos usados por nós para
criar, produzir e transformar são extensões de nosso corpo já é de conhecimento
geral há mais de 50 anos -Marshall McLuhan o disse.
O martelo é o prolongamento do nosso punho, o
binóculo é nosso olho grande etc. Se os instrumentos são extensões do corpo, a
casa onde moramos também é.
Minha casa é minha pele, parede que me separa
do exterior. Como a casa, o corpo tem dentro e fora: pele, carne e entranhas.
Cabe a cada um cuidar do seu funcionamento e até auscultá-lo de vez em
quando.
Assim como acessamos o organismo, temos acesso
ao funcionamento da casa. Assim como cuidamos da higiene do corpo, cuidamos da
limpeza da casa.
Se nos alienamos do nosso corpo, deixando-o à
mercê só de especialistas, a chance de percebermos tardiamente uma disfunção
aumenta. O contato com o corpo facilita a compreensão de avisos -e não só de
pedidos de socorro.
Quem mora numa casa cujo interior lhe é
desconhecido não passa de um estranho no ninho ou alguém que vive num ninho
estranho. Só quem participa do dia a dia do lar se sente em casa.
"Prevenir é melhor que remediar". Vale para a
minha vida orgânica e para o ninho que a contém.
Quem não arruma a cama não percebe se o colchão
e o lençol estão em bom estado. Antes que o dano seja irreversível, é bom ter
contato com o que nos rodeia.
Quem nunca lava e guarda a louça não sabe o que
tem, o que falta e o que é demais. Estar presente na manutenção da casa e do
corpo é uma forma de garantir "longa vida". É importante que a casa seja fruto
da manutenção dos que a usam. Cuidar, manter, limpar é que é ter. Quem cuida
tem.
Não adianta título de propriedade se não sei
onde é a caixa de luz.
Aquelas famílias que fazem coisas -mãe que
borda, pai que conserta- transmitem aos filhos a sensação de que
"podemos".
É raro ouvir alguém que rememore a infância sem
fazer referências aos afazeres -a lembrança do dia em que o pai, o tio fez uma
pipa, um bolo, uma caixinha.
A visão do adulto fazendo é uma das melhores
memórias da criança. Falo em fazer em casa, onde a criança pode participar e se
sentir incluída.
É bom quando a gente sabe onde está o lenço, o
analgésico e a toalha. É na familiaridade com os objetos que reside minha
segurança.
Esta casa é minha. Estou em casa. Não estou
sozinha. Fazemos juntos. Aqui se faz.
---------------------------
* ANNA
VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São
Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)
Nenhum comentário:
Postar um comentário