Embora conservadorismo, na cabeça das
pessoas, lembre mofo e bolor, a verdade é que o conservadorismo está voltando a
ser levado a sério por aqui. E quais são as principais teses defendidas pelos
conservadores?
A principal delas afirma que é muita pretensão
a nossa de querer virar o mundo do avesso, ignorando toda a experiência, os
ajustes e o processo de tentativas e erros obtidos em milênios de civilização.
Tal abandono do passado pode ser útil no que tange às ciências exatas, mas
revela-se quase sempre desastroso quando aplicado às ciências humanas. Na
História humana, os grandes avanços sempre se deram pela evolução, nunca pela
revolução. As grandes revoluções, como a francesa ou a russa, sempre foram muito
eficientes na derrubada das instituições que já existiam, mas nunca souberam
como pôr outras melhores em seu lugar.
Outra tese, dentre as principais, se resume
numa frase proclamada por sir Isaac Newton (1643-1727): àqueles que lhe
indagavam como conseguira formular a Teoria da Física Mecânica, respondia que
nada fizera de mais, apenas "se debruçara sobre os ombros de gigantes". Queria o
cientista inglês dizer que nada daquilo seria possível se não tivesse contado
com o conhecimento acumulado por todos os que o precederam. Os conservadores
também pensam dessa forma. A realidade tal qual a conhecemos é o produto de
milênios de tentativas, erros e acertos. Sendo assim, é muito pouco provável que
nós, modernos, venhamos a fazer alguma grande descoberta em termos de moral ou
de política.
Filósofos de araque existem em profusão. Todos
pregam mudanças radicais na natureza humana. E foram justamente eles - que
prometiam a perfeição do homem e da sociedade - que transformaram grande parte
do século passado num verdadeiro inferno terrestre.
O ceticismo quanto à perfeição humana é outro
aspecto importante do pensamento conservador. Nós conseguimos realizar mudanças
na natureza exterior. Já a natureza humana se tem mostrado praticamente
imutável. O conservador não acredita que exista algum homem tão acima da média,
tão isento de paixões e preconceitos que se possa com tranquilidade entregar-lhe
um poder sem limites. Assim sendo, a melhor forma de governo é mesmo a
democracia. Esta dispõe dos freios e contrapesos (checks and balances)
necessários para refrear logo no nascedouro qualquer tentação totalitária. A
sociedade possui anticorpos. E eles são acionados sempre que há exorbitância de
poder.
O grande autor moderno do conservadorismo é
Russell Kirk (1918-1994) e no passado foi Edmond Burke (1729-1797). Este último,
além de ter sido o grande precursor dos princípios conservadores, notabilizou-se
por ter escrito um livro intitulado Reflexões sobre a Revolução em França, no
qual, ainda no calor dos acontecimentos, defende ardorosamente o sistema
político inglês - de reformas graduais, em contraposição ao extremismo e às
exorbitâncias que ocorriam do outro lado do Canal da Mancha. Depois que Luiz XVI
foi guilhotinado, em 1792, Burke voltaria ao tema, argumentando que os franceses
teriam cometido um erro político gravíssimo: "Vocês ainda haverão de se
arrepender amargamente deste ato. Ao invés de fazer como a Inglaterra, que em
1688 promoveu todas as reformas necessárias pacificamente e ainda com a chancela
real, vocês, franceses, acabam de proclamar oficialmente a sua orfandade. E
viverão eternamente carentes de um rei". Os fatos demonstraram que Burke tinha
razão. Depois de Luiz XVI, os franceses viriam a proclamar diversos reis e
imperadores, sendo o mais importante deles Napoleão Bonaparte.
"E preservar é a principal bandeira do pensamento
conservador - que não cuida somente
de instituições sociais, mas abrange tudo
o que diz respeito à humanidade."
de instituições sociais, mas abrange tudo
o que diz respeito à humanidade."
Nos dias de hoje, quem passa por cima do
viaduto d'Alma, em Paris, encontra uma espécie de santuário onde muitos acendem
velas e pedem milagres. Nesse mesmo local, uns 20 metros abaixo, num acidente de
automóvel, morreu Lady Di. Diana Frances Spencer não era uma santa (longe
disso), mas foi uma princesa. Seria mais um indício de que Burke tinha
razão?
Voltando às principais teses conservadoras, um
conservador de verdade não tolera o relativismo moral. Ainda no século passado,
terríveis consequências sofreram os povos onde ocorreu um colapso da ordem
moral, onde os cidadãos transigiram quanto a isso. A moral há de ser uma só,
seja ela fruto de revelação divina ou tenha sido forjada pela convenção humana.
Ela é o resultado de um arranjo costumeiro, cuja origem data de tempos
imemoriais. E é ela que nos preserva do abismo.
O pensamento conservador, nos dias atuais, vem
ganhando relevo justamente porque os recursos naturais estão se tornando
exíguos. Três décadas atrás ninguém demonstrava a menor preocupação com esse
tema. Agora ele ocupa o proscênio das preocupações humanas. O polêmico
aquecimento global e o esgotamento de matérias-primas importantes põem na ordem
do dia a necessidade premente de preservar. E preservar é a principal bandeira
do pensamento conservador - que não cuida somente de instituições sociais, mas
abrange tudo o que diz respeito à humanidade.
Quem imaginava ser a ecologia uma bandeira de
esquerda percebe agora que não é. Foi o comunismo, aliás, o regime político que
mais sacrificou a natureza. Tudo em nome do progresso, conceito que vem sendo
cada vez mais questionado pela opinião pública esclarecida. Os adeptos mais
exaltados do pensamento conservador não acreditam na existência de progresso
algum. Eles defendem, sim, mudanças graduais.
Os principais países desenvolvidos têm, todos
eles, partidos conservadores que disputam e vencem eleições. Por que será que só
aqui, no Brasil, os conservadores relutam em se admitir como tal?
Se o problema é a falta de alguém que puxe o
cordão, tudo bem. Eu me declaro um conservador. E não tenho por que ter vergonha
disso.
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JORNALISTA
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