terça-feira, 25 de agosto de 2015

" Desumanos "

Artigo Zero Hora

CARLOS ANDRÉ MOREIRA
Jornalista, editor do caderno Proa


Partindo do questionável e talvez ingênuo pressuposto de que estamos evoluindo como sociedade, fico imaginando o que dirão os brasileiros daqui a meio século se houver algo parecido com um “museu das caixas de comentários”.

 Talvez um dos pontos mais intrigantes _ e indesculpáveis _ a explicar aos netos e aos netos dos nossos netos será o fato de que, na primeira metade do século 21, uma considerável fatia da nossa população usava a frase “esse é dos Direitos Humanos” como xingamento.

Mas sim, no ano da desgraça de nosso aleatório acaso de 2015, ser a favor “dos direitos humanos” é considerado por parte dos brasileiros como “ser defensor de bandido”. E a associação entre os dois termos não é, como muitos críticos apontam, totalmente culpa da “turma dos direitos humanos”. 

O que acontece é que qualquer pessoa que se preocupe com direitos humanos na sua acepção original, a de direitos comuns à humanidade, por vezes precisa de vez em quando “defender bandido” _ porque o país tem um longo e preguiçoso histórico de falência institucional e social cujo resultado direto é uma parte de sua população desumanizando a outra parte sem nenhum remorso. Por esse ponto de vista, quem cometeu crime não é mais humano, logo, está disponível para o abuso quase obrigatório: o linchamento, o abuso policial, a tortura, o armazenamento em “casas da morte” que de penitenciária só têm o nome.
É estranho tentar cavoucar a origem desse tipo de visão. Ela não é cristã, por exemplo _ já que a vinda de Cristo, em tese, revogou os excessos anteriores da Lei do Talião em troca de uma “nova aliança”. Não é grega, já que no centro da mitologia grega está o mito de Orestes, que tem a vingança comutada em justiça via julgamento, simbolizando o momento em que a civilização abandona o “olho por olho”. O doloroso é que ela é, sim, bem brasileira, um Brasil em que há séculos convencionou que determinadas classes de indivíduos estão em patamar diverso dos demais, agraciados com privilégios generosos. Cumprir “prisão especial”, por exemplo, o encarceramento dos com diploma _ que terão, portanto, a regalia de algo que deveríamos considerar o óbvio para todos: tratamento humano.

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