Contratei um Papai Noel para ir lá em casa no Natal do ano passado. Foi um dos melhores investimentos da minha vida. Nunca mais vou esquecer a alegria do meu filho quando o Papai Noel bateu à porta. Tampouco esquecerei a reação dele: para meu grande espanto, o menino correu para o quarto e voltou voando, com o bico na mão. Tinha decidido, estoicamente, que entregaria o bico para o Papai Noel. E o fez, de fato, mas, na hora de dormir, bateu a síndrome de abstinência.
– Quero o bico! – gritava. – Quero o bico! Liga pro Papai Noel! Pede pra ele trazer o bico de volta! Liga pro celular dele!
Por sorte, o Papai Noel, velho malandro da Lapônia, não havia levado o bico. Assim, quando o Bernardo começou a chorar, suspirei, desci até a sala, tirei o bico do esconderijo e voltei ao quarto para dar a ele. Que se surpreendeu:
– Como o Papai Noel veio rápido.
Desconversei:
– Aquelas renas não brincam em serviço...
Seis meses depois, quando ele e a minha mulher enfim se juntaram a mim, aqui nos Estados Unidos, a primeira coisa que o guri fez, no momento em que pôs os pés em sua nova casa, foi tirar o bico de algum desvão da mochila e estendê-lo para mim:
– Pode botar fora.
Peguei o bico e sorri com complacência. Botar fora. Sei.
Guardei o bico na gaveta da cozinha, supondo que, à noite, ele o pedisse aos prantos. Não houve pranto, nem pedido. Para arrematar, na manhã seguinte, na hora da mamadeira, ele anunciou, de queixo empinado:
– Não vou mais tomar mamadeira.
E nunca mais tomou mamadeira. E nunca mais quis o bico.
Corta.
Ontem, a Marcinha puxou o bico e a mamadeira do fundo de uma gaveta e me mostrou:
– Lembra disso?
Havia esquecido. Então, dei-me conta do tanto que o meu filho amadureceu em tão pouco tempo. Ao chegar aqui, era um bebezão; agora, é um gurizinho.
Sei o que fez com que amadurecesse tão velozmente: as dificuldades. Ele não apenas mudou de escola e de colegas; mudou de cidade, de país e de língua. Imagine que, no primeiro dia de aula (a professora me contou), ele começou a falar com todo mundo, falante que é, e ninguém respondia. Ninguém entendia... O começo foi duro, e são assim os começos, mas agora tudo está bem com esse brasileirinho na América do Norte.
As crianças têm grande capacidade de resistência e de adaptação. Elas se transformam de acordo com o que é exigido delas. E de acordo com o que é dado a elas. Uma pessoa só vai dar amor, por exemplo, se tiver amor para dar. Quer dizer: se o amor lhe tiver sido dado na infância, que é quando fazemos esse estoque de sentimentos.
No enfrentamento desses desafios, meu filho teve todo o apoio e o amor dos pais, é verdade, mas teve, também, um outro auxílio luxuoso: o de competentíssimos professores de uma excelente escola pública. Não gasto um único dólar com a escola, e meu filho, que não é cidadão americano, é tratado com uma atenção e um desvelo que custariam fortunas em uma escola particular brasileira.
Eis um dos grandes trunfos dos americanos: o investimento que eles fazem, que sempre fizeram na educação básica e fundamental.
As crianças – eles se preocupam com as crianças.
Hoje é Natal, e das crianças são todos os Natais, mas queria que as crianças brasileiras tivessem mais do que um Natal por ano. Queria que as prioridades da educação fossem invertidas, que a Constituição fosse modificada, que os investimentos do país fossem derramados nas crianças e quase que só nas crianças. Nossos meninos precisam de ajuda. Eles já são mais maduros do que deviam ser.
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