sábado, 20 de dezembro de 2014

" Natal, aqui ou em cuba "

Artigo Zero Hora





FLÁVIO TAVARES
Jornalista e escritor

Vésperas de Natal. As duas irmãs, de seis e sete anos, acompanham o movimento dos pais que armam o presépio. Numa estrebaria, figuras de ovelhas e burricos, um homem idoso e uma jovem de cabeça coberta contemplam um recém-nascido num tosco berço de palha seca. O que são esses bonecos armados em respeitoso silêncio? “Assim nasceu o Menino Jesus”, explica o pai. E a guria menor pergunta:
_ Quem é o Menino Jesus?
Antes que os adultos expliquem, a mais velha, afoita e rápida, exclama:
_ É o filho do Papai Noel!
E por que não seria o filho do Papai Noel? O Natal, festa do nascimento do Menino Jesus, vem sendo substituído pela festança comandada pelo velhinho gordo de barba branca, gorro e roupa vermelha, cuja meta maior é comprar e comprar, empanturrar-se, beber e farrear. A voragem da sociedade de consumo arrasa gradualmente o sentido da data. Esquecemos o natalício do menino que pregou o amor e a compreensão, e nos afogamos nas correrias de dezembro. Para quê? Para ensinar nossas crianças a adorar uma fantasia tola que a coca-cola popularizou nos Estados Unidos a partir de 1931, numa campanha publicitária incorporada ao cotidiano como algo inocente.
O Natal é festa de luz pelo menino Jesus, não pelo ilusório velhinho de vermelho. Também neste mês os judeus têm a Festa das Luzes, o Chanukiá, celebrando o milagre que iluminou o Templo de Jerusalém por oito dias. Com idênticas raízes históricas, Cristianismo e Judaísmo poderão sobrepor seus valores éticos à avalanche do consumista Papai Noel, inventado pela publicidade? Ou sucumbirão?
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Seja o que for, porém, o Natal renova esperanças. Em Cuba, a festa antecipou-se, agora, ao se anunciar o restabelecimento de relações diplomática com os EUA, rompidas por iniciativa norte-americana em 1961. Naquele ano, em seguida os EUA organizam a invasão da ilha, mas a aventura fracassa. Em resposta, Cuba se proclama “socialista” e namora a União Soviética, potência rival.
Em agosto de 1961, quando cobri a Conferência Interamericana de Punta del Este (em que Che Guevara chefiava a delegação cubana), Cuba já se aproximava do comunismo soviético mas ainda não era “um satélite”. Em plena Guerra Fria, a opção era quase inevitável e, no final de 1962, os mísseis russos ao norte da ilha puseram o mundo à beira da guerra nuclear. Depois, quando as ditaduras poluíram o continente, o golpe de 1964 no Brasil abriu a porta para os EUA levarem a América Latina a romper relações com Cuba. Só o México resistiu, mas reduziu o comércio ao mínimo.

Antes disso, os EUA haviam iniciado o bloqueio econômico para asfixiar a pequena ilha (duas vezes e meia menor que o Rio Grande do Sul) 
que só produz açúcar e charutos. 
O embargo norte-americano isolou e estrangulou Cuba, mas deu-lhe, também, a aura bíblica de pequeno Davi desafiando um grotesco Golias.

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O irônico é que a “lei Hickenloper”, utilizada nos EUA para bloquear Cuba, foi criada em 1959 para punir o Brasil, e de fato nosso Estado, em represália ao ato do governador Leonel Brizola que nacionalizou a obsoleta empresa elétrica Bond and Share, passando-a ao controle da CEEE. Naquele ano e mesmo mês, Fidel fora recebido em Washington como “herói”, ao início do seu governo em Cuba.
A resistência à maior potência econômico-militar do planeta é o exemplo positivo de Cuba, mas a implantação da opressiva ditadura stalinista, é a herança sombria de uma revolução social-libertária que se perdeu nos atropelos da Guerra Fria. E o bloqueio, que escancarou a maldade da política imperial dos EUA, por outro lado maquiou de “heroica” a opressão que convalidou a ditadura em Cuba.
Mas é Natal e tudo é esperança!

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