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Tenho uma dor
infinita dos guarda-chuvas abandonados pelas calçadas da cidade. Toda vez que
nossa urbe incorpora Macondo, onde choveu durante quatro anos, onze meses e dois
dias, os restos mortais dessa família-morcego ficam espalhados pelas ruas e
praças, especialmente pelas paradas de ônibus – a roda dos enjeitados da espécie
envaretada.
Guarda-chuvas são seres quase animados, alguns até se abrem
por conta própria. Funcionam como extensão do corpo, do braço humano. Servem de
proteção, abrigo e companhia. Não merecem o tratamento ingrato que muitas
pessoas lhes dão. Basta uma varetinha torta, uma ponta de pano solta e lá vai a
bengala vestida para o brejo. Sem dó nem piedade.
Sinceramente, acho que
os abandonadores deveriam ser punidos. Talvez possam ser enquadrados na
legislação que está sendo gestada para reprimir quem joga lixo na rua, com os
devidos agravantes para um objeto tão carente de afeto. Ou mesmo no Código
Penal, que tem um artigo específico para abandono de incapaz. Um guarda-chuva
destrambelhado é incapaz de se erguer sozinho, de abrir as suas asas e sair do
lugar em que foi jogado. Mesmo em dias de vento, o máximo que eles conseguem é
dar três ou quatro passos, antes de desabarem inertes sob o peso da haste em
forma de jota.
Culpa dos fabricantes, argumentarão os infratores,
alegando que a qualidade é tão ruim, que os produtos se tornam descartáveis.
Culpa dos chineses, dirão alguns mais xenófobos, lembrando que quinquilharias
oriundas da Ásia costumam se desmanchar antes de serem usadas. Nada disso,
porém, isenta o sujeito da responsabilidade no abandono.
Em compensação,
ainda tem neste mundo quem se preocupe com os guarda-chuvas extraviados. Além de
remanescentes oficinas de conserto, cada vez mais raras, de vez em quando
aparece alguém mais criativo para dar sobrevida às sombrinhas sequeladas. Outro
dia, descobri que uma vizinha minha recolhe guarda-chuvas abandonados para
transformá-los em bolsas. Retira o pano pacientemente, recorta de acordo com os
seus moldes, costura e dá um formato elegante ao novo objeto, que voltará a
acompanhar algum dono pelas ruas. Achei a ideia tão boa, que até andei
recolhendo algumas peças extraviadas para presenteá-la.
Só pelo prazer
de imaginar que aqueles objetos descartados depois de enfrentarem bravamente
chuvas e tempestades para proteger seus donos voltarão a viver a glória de um
dia de sol, pois até na enfeitiçada Macondo ele voltou a brilhar.
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