Luiz Carlos Bresser-Pereira*
Um povo que está maduro para a democracia não aproveita a crise para pedir a derrubada do governo
A democracia não é o resultado de um simples ato de vontade, mas da escolha de uma nação que alcançou a maturidade necessária para realizá-la. E que tenha realizado sua revolução industrial e capitalista de maneira que a apropriação do excedente econômico não mais dependa do controle direto do Estado, porque é realizada no mercado.
O Egito não atende essas condições, mas seu povo deseja a democracia e luta tragicamente por ela. Se houvesse alcançado a maturidade necessária, talvez pudesse superar a segunda restrição e realizar seu objetivo. Entretanto não foi isto que vimos quando os egípcios foram às ruas para derrubar o primeiro governo eleito democraticamente.
Quando, em janeiro de 2011, o povo egípcio, estimulado pelo exemplo da Tunísia, se revoltou contra o regime autoritário e corrupto que dominava o país, começou a Primavera Árabe. Derrubado o governo, procederam-se eleições, e, afinal, em junho de 2012, a mais poderosa organização islâmica do país, a Irmandade Muçulmana, ganhou as eleições com apenas 25% dos votos.
A Irmandade não sabia o que era governar e até há pouco afirmava que essa não era sua intenção, dado o objetivo absurdo do islamismo ortodoxo de restaurar o Califado.
O presidente eleito, Mohammed Mursi, enfrentou uma missão impossível. Devia reformar a Constituição e governar um país imerso em grande crise, cujas elites econômicas e militares estavam comprometidas com o antigo regime.
A crise começou já na reforma da Constituição, que não satisfez nem aos secularistas liberais, que até há pouco estavam comprometidos com o antigo regime, nem aos islamitas que almejavam a integração do Estado com a religião. Agravou-se diante da inação do governo contra ataques e assassinatos praticados por grupos radicais islâmicos.
Mas o sinal definitivo veio há dois meses, quando a praça Tahrir voltou a se encher de manifestantes pedindo a derrubada do governo e um golpe devolveu o poder aos militares. Desde então o Egito vive em crise profunda, com os fieis da Irmandade Muçulmana protestando e sendo massacrados.
Em muitos países pobres, a oposição aproveita a primeira crise que surge para pedir a derrubada do governo eleito democraticamente. Um povo que está maduro para a democracia não faz isto. Critica, protesta, mas não pede o golpe. Esse povo sabe que a política é a arte do compromisso. De compromissos que devem ser feitos a cada dia, não apenas pelos políticos, mas também pelos cidadãos.
Eu sempre soube que a política é a arte do compromisso, de fazer concessões para alcançar a maioria. Mas só há alguns anos ficou claro para mim como também são importantes os compromissos dos cidadãos. Conversando com uma médica suíça, quando comentei a solidez da democracia em seu país, ela disse: "é verdade, mas você não imagina quantos compromissos temos que fazer todos os dias".
Não é razoável esperar dos egípcios comportamento igual ao dos suíços. O Egito é um país pobre que ainda não realizou sua revolução capitalista, mas sua luta pela democracia só alcançará êxito quando aprender a fazer compromissos.
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*Advogado. Economista. Cientista político.
Fonte: Folha on line, 23/09/2013
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