Hélio Schwartsman*
O sabiá-laranjeira foi destaque do Painel do Leitor nesta semana, após reportagem de Roberto de Oliveira ter mostrado que o chilrear da ave rouba o sono a muitos paulistanos. Curiosamente, todos os missivistas se solidarizaram com os tordos, não com seus congêneres humanos injustamente privados do abraço de Morfeu. Por que as pessoas gostam tanto da natureza?
Nos anos 80, E. O. Wilson levantou a hipótese da biofilia, pela qual humanos teríamos uma ligação instintiva com outros seres vivos. Já que somos produtos da natureza e dela dependemos para nos manter alimentados e respirando, nada mais "natural" do que desenvolver atração por ela, notadamente pelos aspectos que insinuam fartura e segurança.
Os indícios a apoiar essa tese vêm em números robustos, dados pelo faturamento de agências que levam turistas a praias paradisíacas, montanhas majestosas e monumentos naturais. A hipótese explicaria ainda por que nos cercamos de cães, gatos, por que recriamos o fundo de rios em aquários domésticos e até por que alguns de nós aprisionam passarinhos.
Há trabalhos sugerindo que, se tivesse escolha, a maioria das pessoas moraria em lugares elevados, que proporcionem boa visão do entorno, com vegetação do tipo savana e próximos a um curso d'água. Tais preferências --não por acaso, itens valorizados no mercado imobiliário-- estariam gravadas em nossa biologia, pois são indicativas de um ambiente protegido e com recursos à disposição.
Também aprecio cães e praias, mas é preciso cuidado para não transformar inclinações inatas num discurso moralizador. Não há nada de intrinsecamente errado em não gostar de animais ou não ligar para uma bela vista. E, se a natureza é pródiga em coisas que nos agradam, ela também responde pela longa lista de sofrimentos impostos a todos os seres sencientes. Indiferente e cruel são adjetivos que lhe caem bem melhor do que benigna e gentil.
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* Colunista da Folha
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