quarta-feira, 18 de setembro de 2013



Médicos brasileiros: sofrimento interminável


Ao contrário dos médicos, que assumiram posição inconsistente por romantismo, nossos governantes tiveram uma reação disparatada

A medicina oferece a seus profissionais um privilégio sem paralelo: aliviar o sofrimento e resgatar seres para a vida. Infelizmente, esses momentos não se perenizam, ora por atitudes indevidas dos próprios médicos, ora por omissão de governantes inescrupulosos.

Isso é o que acontece neste momento da nação. Feridos na sua autoestima, os médicos posicionaram-se incorretamente contra a vinda de profissionais estrangeiros, na contramão de um movimento planetário. Em todos os países, faltam médicos, sobretudo para atuar em saúde básica. Calcula-se que, nos EUA, exista um deficit de 15.230 médicos; na região de Yorkshire, na Inglaterra, os serviços de emergência não contam com médicos à noite. Foi preciso recorrer ao Exército.

Pecaram também os médicos, postando-se contra a participação de enfermeiras, psicólogos ou fisioterapeutas na assistência direta a pacientes. Posição lógica quando se lida com doenças mais complexas, mas irracional em saúde básica. Ademais, seriam criadas oportunidades de trabalho para os brasileiros.
Ao contrário dos médicos, que assumiram posições inconsistentes por ingenuidade ou romantismo, presenciamos uma reação disparatada dos nossos governantes aos clamores das ruas. Para dissimular a indecência na saúde, propuseram um conjunto de medidas falaciosas; a principal delas, importar médicos cubanos para atender nos grotões. Ideia com grande apelo aos mais distraídos, mas de difícil implantação por afrontar as leis, a soberania e os valores brasileiros.

Determinadas a contornar as resistências, nossas autoridades adotaram um estratagema perverso. Desencadearam uma campanha de demonização dos médicos brasileiros.

Gesto perigoso, por incitar o confronto entre cidadãos brasileiros num país que é desigual porque tem governantes incompetentes ou desonestos. Gesto injusto, porque insulta uma legião de médicos brasileiros que têm dedicado suas vidas aos mais pobres. Médicos que têm, em média, três empregos e que ganham um salário inicial de R$ 1.200, como ocorre em Goiás. Vinculados a uma profissão na qual 48% dos seus membros trabalham, semanalmente, de 20 a 50 horas a mais do que a população comum.
Médicos que também são vítimas da inépcia dos nossos governantes. Que, por descumprirem suas obrigações, arruinaram e produziram, nos últimos cinco anos, o fechamento de 286 hospitais ligados ao SUS. Pior ainda, governo cujo Ministério da Saúde deixou de utilizar, por inoperância, R$ 9 bilhões dos recursos a ele destinados em 2012. Valor com o qual teriam sido construídas e equipadas cerca de 18 mil unidades básicas de saúde, garantindo uma assistência qualificada a milhões de desvalidos e reduzindo o número de corpos que despencam nas filas intermináveis dos hospitais públicos.
Diante do caos, seria ainda possível corrigir a tragédia que nos assola? Acho que sim, até atrevo-me a fazer algumas sugestões.

1) Alocar, de forma sincera, recursos substanciais na área da saúde.
2) Entregar a direção do Ministério da Saúde e do SUS a gestores competentes e sinceros, e não a políticos oportunistas.
3) Entregar a gestão dos hospitais públicos a organizações sociais sem fins lucrativos.
4) Aperfeiçoar e aumentar a abrangência das equipes de Saúde da Família.
5) Atualizar coerentemente as tabelas de ressarcimento do SUS.

6) Criar um plano de cargos e salários condignos para os médicos atuarem em saúde básica, associado a oportunidades de trabalho e estudo para suas famílias.
7) Legalizar e contratar equipes multiprofissionais para prestarem atendimento em saúde básica, auxiliando ou substituindo os médicos aonde eles inexistem.

8) Alijar os corruptos que se locupletam na saúde.

9) Promover um aumento imediato de 20% a 30% de vagas nas escolas médicas, com financiamento governamental.

10) Inserir os médicos brasileiros nesse processo de reconstrução da saúde nacional.

Os cidadãos desassistidos serão melhor amparados, o governo cumprirá com mais dignidade o seu papel social e os médicos terão amenizados seus momentos de sofrimento interminável.

MIGUEL SROUGI, 66, pós-graduado em urologia pela Universidade Harvard, é professor titular de urologia da Faculdade de Medicina da USP e presidente do conselho do Instituto Criança é Vida

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