domingo, 16 de julho de 2017

Homem sustenta o 'Pixuleco', um balão do ex-presidente Lula vestido como um réu, em um protesto. Ampliar foto
Homem sustenta o 'Pixuleco', um balão do ex-presidente Lula vestido como um réu, em um protesto. REUTERS

Brasil, o país em que os juízes tomaram o poder e agora decidem o destino da nação

São Paulo 
 
 
 
O copo transbordou nas últimas duas semanas, enquanto o país passava por tristes fatos históricos. Pela primeira vez, um presidente, Michel Temer, era denunciado por corrupção pela Procuradoria Geral. Na quarta-feira, dia 12 de julho, Luiz Inácio Lula da Silva se tornou o primeiro ex-presidente condenado a prisão por lavagem de dinheiro e corrupção: nove anos e meio de prisão, segundo uma sentença da qual poderá recorrer a uma segunda instância enquanto segue em liberdade.
Lula e Temer não podem estar mais afastados politicamente, mas os dois reagiram da mesma forma a seus problemas legais: “O que me deixa indignado é que você está sendo vítima de um grupo de pessoas”, protestou o primeiro, enquanto questionava a autoridade dos juízes: “Só o povo brasileiro pode decretar meu fim”. Também Temer, na primeira vez que falou em público depois de saber da denúncia contra ele por supostas trocas de favores e subornos, partiu para a ofensiva: “Isso é um atentado contra nosso país. Não vou permitir que se questionem nem minha honra nem minha dignidade. Não fugirei das batalhas”.§§
O presidente cumpriu sua ameaça, quando coube exatamente a ele nomear o novo procurador geral — o atual, Rodrigo Janot, que o denunciou, deixa o cargo em 17 de setembro. No Brasil, o presidente costuma respeitar o nome mais votado pelo próprio Ministério Público. É uma demonstração de respeito em relação à força e à independência da instituição. Temer, por sua vez, escolheu a segunda pessoa mais votada, Raquel Dodge. O gesto não muda muita coisa — Dodge tem grande experiência no combate à corrupção —, mas se tratava de dar um aviso aos que pudessem acreditar que o país está nas mãos dos juízes.

A última cartada

Muitos opinam que Temer também esperava enfraquecer a denúncia de Janot antes que esta seja votada no Congresso em 2 de agosto. Se a Câmara a aprovar, a denúncia irá ao Supremo Tribunal Federal (STF), que o destituirá temporariamente. E se o considerar finalmente culpado, o destituirá para sempre. Além da presidência, perderia o foro privilegiado e então teria de responder por todas as acusações que os procuradores fizessem contra ele. A única solução para Temer é resolver a acusação no âmbito político, custe o que custar.
A presidência — e a imunidade jurídica que outorga — representa também uma solução desesperada para Lula. Ainda é preciso publicar outras quatro sentenças e basta que a segunda instancia considere-o culpado em uma delas para que seja inabilitado politicamente e, talvez, acabe na prisão. A única cartada do dirigente do Partido dos Trabalhadores é que se atrasem os procedimentos até agosto de 2018, quando começa a campanha eleitoral. E rezar para vencer as eleições presidenciais.
O panorama não poderia ser mais diverso do que foi o Brasil durante séculos. Um lugar no qual o poder e o dinheiro mandavam mais do que a justiça, onde o rouba mais faz era um elogio para um político, e onde o procurador geral era conhecido como engavetador geral.
Tudo mudou em 2003 com a chegada, ironicamente, de Lula. “A polícia passou a ter o dobro dos recursos e pessoas e virou uma institução capaz de fazer grandes operaçõess. Permitiu que o ministério público nomeasse o procurador geral. Unificou o poder judiciário, que era muito disperso”, relembra Pierpaolo Bottini, advogado que participou dessa reforma no Ministério da Justiça.
Aos poucos começou a florescer um orgulho de classe. “Se há uma característica que define o Brasil, crise após crise, é a independência de seu poder judiciário”, vangloria-se por telefone José Robalinho Cavalcanti, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).
Mas no Brasil a corrupção está há décadas incrustada na vida pública. Revelá-la paralisou tudo. A economia está em crise, a política gira em torno dos tribunais e o povo perdeu a esperança de que tudo fique melhor quando todos os culpados estiverem na cadeia. “A nova e definitiva era é de substituição de pessoas pelas instituições. Salvação, sim, sem salvadores”, afirma Ayres Britto, que foi juiz do Supremo Tribunal nomeado por Lula entre 2003 e 2012. Um futuro com a classe política atrás das grades, e que deixa a dúvida sobre quem liderará o país.

Dois rivais para dois dirigentes em apuros

Brasil, o país em que os juízes tomaram o poder
AFP
T.C.A.
Não há generais nem comandantes nos atritos entre os poderes executivo e judiciário brasileiros, mas há nomes próprios. No país há muito poucos que não conheçam Sergio Moro, o juiz encarregado da Lava Jato em primeira instância e que encontrou em Lula a tampa para sua panela. Tão famosa é a inimizade entre os dois que quando o ex-presidente foi chamado a testemunhar perante Moro em 10 de maio passado o encontro foi tratado como uma final esportiva, como um combate cara a cara entre dois lutadores.
Antes do encontro, o juiz Moro publicou uma mensagem em sua página de Facebook, na qual tem dois milhões de seguidores. Pediu a eles que não fossem às ruas se manifestar contra Lula para não criar confusão. Este, no entanto, convocou os milhares de membros de sindicatos e do Partido dos Trabalhadores que se aglomeraram diante da porta dos tribunais no fim do depoimento e transformaram o acontecimento em comício. Leis e rua, duas formas de ganhar a mesma partida.
O presidente do Brasil, Michel Temer, tem tido que se haver ultimamente com o procurador geral, Rodrigo Janot, um veterano no campo jurídico curtido em cargos públicos e privados. Muitos imaginam que a jogada que está fazendo com o presidente Temer ao denunciá-lo por receber subornos é completamente política. Na verdade, ainda tem indícios para denunciá-lo por duas outras acusações, mas está esperando que seu capital político se esgote no Congresso.

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