segunda-feira, 17 de julho de 2017


Amós Oz: 'Fanatismo está baseado em respostas rápidas'


 Escritor israelense Amos Oz que lanca o livro 'Mais de Uma Luz' posa na Fundacao Ema Klabin  
Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Escritor israelense esteve no Brasil para lançar seu novo livro 'Mais de Uma Luz'

O escritor israelense Amós Oz acredita no poder da palavra – não apenas pelo dever de ofício, mas principalmente por ter nisso a principal arma disponível pelo seu povo em muitos anos de luta. Ele fundou o movimento Paz Agora, mas, antes de se definir como um pacifista, prefere ser chamado de “peacenick”: “o pacifista acredita que a guerra é o pior dos males, e que deve ser evitada a qualquer custo. Já o peacenick sustenta que o pior dos males é a agressão, e que, por vezes, ela tem que ser repelida pela força”, sustenta. São argumentos como esse que inspiram os três ensaios contidos em Mais de Uma Luz, lançado agora pela Companhia das Letras. 

Dos textos, o mais impactante é justamente o primeiro, Caro Fanático, em que Oz (que significa “coragem” em hebraico) detalha a perigosa proliferação dos fanáticos pelos países, lembrando que o simples fato de alguém impor uma ideia a outro, por mais inocente que seja, já é um ato perigoso. “Um fanático é um ponto de exclamação ambulante que não escuta, só fala. Um ser humano desesperado e mais interessado em você do que nele, porque não tem vida própria. A síndrome deste início de século não é o choque entre muçulmanos e cristãos, Ocidente e Oriente, Europa e mundo árabe, mas, sim, entre fanáticos e nós. E eles estão em todos os lugares e em todas as culturas. Vejo isso no dia a dia, quando uma pessoa quer mudar a outra ‘para o bem dela’”, escreve. 

Em junho, Oz esteve em São Paulo, onde participou do projeto Fronteiras do Pensamento. Durante sua passagem, conversou com o Aliás na Fundação Ema Klabin, local escolhido por ele, que queria conhecer o belo acervo montado pela empresária e mecenas, morta em 1994. A seguir, os principais trechos da conversa. 

Qual é o trabalho de pensar o mundo, como o senhor costuma fazer em seus artigos?
Não sou especialista em nada – talvez, um especialista em especialistas. Mas observo com cuidado o que acontece, a ponto de preservar minha independência de pensamento. Talvez meu segredo seja o de olhar mais de um lado de cada problema. Sou cético, mas não pessimista. Eu me preocupo muito com a condição humana em geral. 

Por que o mundo está cada vez mais complicado?
Quanto mais o mundo se complica, mais as pessoas se agarram a respostas simples. Uma espécie de slogans, algo que explique tudo de forma simplista: “isso é provocado por causa do sionismo, da globalização, da esquerda, dos patrões.” Todos têm uma resposta direta e definitiva para o que acontece com o fanatismo. A essência do fanatismo está baseado em respostas rápidas. Muitas vezes, o diagnóstico para problemas do Oriente Médio pode não funcionar para o Brasil, da mesma forma que a medicina que é útil na África seja útil também na Palestina, e assim por diante. 

É, como o senhor afirma em seu livro, o eterno confronto entre o certo e o certo.
Exato, todos têm razão. Isso explica, de certo modo, o conflito entre Israel e Palestina: o combate entre o certo e o certo. Nos últimos anos, tem sido o embate entre injustiçados. Essa é a definição de nossa tragédia. Nos filmes de faroeste de Hollywood, há sempre uma divisão clara entre os mocinhos e os vilões e algumas pessoas, incluindo intelectuais, seguem o mesmo raciocínio ao apontar, no conflito entre israelenses e palestinos, quem é o vilão e quem é o protagonista. Como se isso fosse fácil, como se mundo se parecesse com um filme hollywoodiano. Não é assim. Conflitos anteriores eram analisados pelo relativismo, ou seja, eram até fáceis de se entender, como a Guerra do Vietnã, o apartheid, colonialismo, mas o mesmo não acontece com o conflito entre palestinos e israelenses. 

O senhor acredita no poder da palavra?
Como não acreditar se são apenas de palavras que disponho? Também era o que tiveram os judeus durante centenas de anos, época em que viveram sem armas, sem exército, sem sua terra, apenas com a força de sua palavra. Acredito que as palavras podem ajudar, mas não acredito em fórmulas para redenção. Não acredito em salvação, mas em soluções pensadas. 

Muitos dos líderes mundiais de hoje são contestados mundialmente, como Trump e Putin, para ficar em apenas dois. O que o senhor diz disso?
Sim, entendo o que você quer dizer, mas lembro que nasci em uma época em que o mundo era controlado por Hitler, Mussolini, Franco, Stalin. Impossível de se esquecer. Há diferentes graus de maldade. E um dos piores erros morais é colocar todos os tipos de maldade num mesmo cesto. É o que fazem intelectuais preguiçosos, para quem capitalismo, sexismo, sionismo, globalização, todos estão também num mesmo cesto. Há diferentes variações, é necessário que isso seja notado. O que me preocupa é que isso também norteia muitas pessoas em uma eleição, pois distinguem apenas o melhor e o pior candidato. 

E o que dizer do governo de Barack Obama?
Bem, ele causou menos estragos que seus antecessores. Obama colocou a economia dos EUA e mesmo a do mundo em um certo controle – lutando contra a crise criada por outros governantes. Também evitou promover guerras, ao ponto que, durante seu governo, houve uma expressiva queda no número de covas sendo abertas para soldados ante a administração Clinton ou Bush. Seu sistema de saúde era imperfeito, mas ainda assim uma opção melhor que a disponível para os americanos. Enfim, ainda que marcada por vários defeitos, acredito que Obama foi um dos melhores administradores do mundo nos últimos anos.
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Capa do livro 'Mais de uma Luz', de Amós Oz
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Reportagem por  Ubiratan Brasil, O Estado de S. Paulo 08 Julho 2017
Fonte: http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,fanatismo-esta-baseado-em-respostas-rapidas-analisa-amos-oz,70001881018

A ética do Magistrado:J.B.P. Herkenhoff

Hoje assistimos a muitos julgamentos especialmente ligados à corrupção, colocando no banco dos réus grandes empresários e personalidades políticas. Discute-se se há ou não imparcialidade nos julgamentos. Qual a ética que deve orientar um Magistrado? Temos aqui a palavra de um conhecido Magistrado que pode nos orientar nesse debate. É um grande humanista e um defensor incansável dos direitos humanos: LBoff


A palavra ética provém do grego ethos, que significa modo de ser, caráter.
A Ética busca aquilo que é bom para o indivíduo e para a sociedade.

A Ética não brota espontânea. É fruto de um esforço do espírito humano para estabelecer princípios que iluminem a conduta das pessoas, grupos, comunidades, nações, segundo um critério de Bem e de Justiça.

O Bem e a Justiça constituem uma busca.

Um dos mais importantes desdobramentos da Ética refere-se à Ética das profissões. Toda profissão tem sua ética. Vamos citar alguns exemplos. Seja o motorista reservado quanto ao que ouve dentro do carro quando transporta seus clientes. Seja o comerciante ético cobrando o justo preço pelas mercadorias que vende. Seja o profissional da enfermagem ético tratando com respeito o corpo do enfermo. Seja o advogado ético, fiel ao patrocínio dos direitos do seu cliente. Seja o médico ético servindo à vida e procurando minorar o sofrimento humano.

E a magistratura tem uma Ética?

Neste capítulo defendo que o ofício de magistrado deve guiar-se por uma ética e sugiro veredas para a efetivação dessa ética.

A magistratura é mais que uma profissão. A Ética do Magistrado é mais que uma Ética profissional.
A função de magistrado é uma função sagrada. Daí a advertência do Profeta Isaías:

“Estabelecerás juízes e magistrados de todas as tuas portas, para que julguem o povo com retidão de Justiça”.

Somente com o suplemento da Graça Divina pode um ser humano julgar.

A sociedade exige dos magistrados uma conduta exemplarmente ética. Atitudes que podem ser compreendidas, perdoadas ou minimizadas, quando são assumidas pelo cidadão comum, essas mesmas atitudes são absolutamente inaceitáveis quando partem de um magistrado.

Tentarei arrolar alguns princípios que suponho devam orientar a ética do magistrado:

1) A imparcialidade. Nada de proteger ou perseguir quem quer que seja. O juiz é o fiel da balança, a imparcialidade é inerente à função de julgar. Se o juiz de futebol deve ser criterioso ao marcar faltas, ou anular gols, quão mais imparcial deve ser o Juiz de Direito que decide sobre direitos da pessoa.

2) O amor ao trabalho. O ofício do juiz exige dedicação. A preguiça é sempre viciosa, mas até que pode ser tolerada no comum dos mortais. Na magistratura, a preguiça causa muitos danos às partes.

3) A pontualidade, o zelo pelo cumprimento dos prazos. É certo que há um acúmulo muito grande de processos na Justiça. O juiz não é o responsável por esse desacerto mas, no que depende dele, deve esforçar-se para que as causas não contem tempo por quinquênio ou decênio, como verberou Rui Barbosa. Se por qualquer razão ocorre atraso, no início de uma audiência, o juiz tem o dever de justificar-se perante as partes. Não pode achar que é natural deixar os cidadãos plantados numa sala contígua, esperando, esperando, esperando.

4) A urbanidade. O magistrado deve tratar as partes, as testemunhas, os serventuários e funcionários com extrema cortesia. O juiz é um servidor da sociedade, ter boa educação no cotidiano é o mínimo que se pode exigir dele. A prepotência, a arrogância, o autoritarismo são atitudes que deslustram o magistrado.

5) A humildade. A virtude da humildade só engrandece o juiz. Não é pela petulância que o juiz conquista o respeito da comunidade. O juiz é respeitado na medida em que é digno, reto, probo. A toga tem um simbolismo, mas a toga, por si só, de nada vale. Uma toga moralmente manchada envergonha, em vez de enaltecer.

6) O humanismo. O juiz deve ser humano, cordial, fraterno. Deve compreender que a palavra pode mudar a rota de uma vida transviada. Diante do juiz, o cidadão comum sente-se pequeno. O humanismo pode diminuir esse abismo, de modo que o cidadão se sinta pessoa, tão pessoa e ser humano quanto o próprio juiz.

7) Razão e coração. Julgar é um ato de razão, mas é também um ato de coração. O juiz há de ter a arte de unir razão e coração, raciocínio e sentimento, lógica e amor.

8) A função de ser juiz não é um emprego. Julgar é missão, é empréstimo de um poder divino. Tenha o juiz consciência de sua pequenez diante da tarefa que lhe cabe. A rigor, o juiz devia sentenciar de joelhos.

9) As decisões dos juízes devem ser compreendidas pelas partes e pela coletividade. Deve o juiz fugir do vício de utilizar uma linguagem ininteligível. É perfeitamente possível decidir as causas, por mais complexas que sejam, com um linguajar que não roube dos cidadãos o direito, que lhes cabe, de compreender as razões que justificam as decisões judiciais.

10) O juiz deve ser honesto. Jamais o dinheiro pode poluir suas mãos e destruir seu conceito. O juiz desonesto prostitui seu nome e compromete o respeito devido ao conjunto dos magistrados. Peço perdão às pobres prostitutas por usar o verbo prostituir, numa hipótese como esta.
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Obs: O autor  é magistrado aposentado (ES), escritor, professor, palestrante. 
Fonte:  https://leonardoboff.wordpress.com/2017/07/16/a-etica-do-magistradoj-b-p-herkenhoff/

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