domingo, 15 de abril de 2012

                         A Partir de cada um...
              de   J.J.Camargo  **                 
 Quando   se faz alguma coisa  pioneira,há uma compreensível tendência ao    reconhecimento público,e a  medalha dourada que recebemos   do   governo    pelo primeiro transplante  de pulmão ocupou durante um tempo lugar de destaque na estante,lá de casa.Depois de um tempo,por uma estranha ironia,ela enferrujou.

Um pouco, mas não só por isso, se  tivesse que eleger qual daquelas tantas homenagens a que mais mexeu comigo, certamente,ficaria com o gesto   de Liduína. Ela,  uma cabocla da fronteira oeste, sempre com um meio sorriso debochado,de uma sabedoria  genuína  e rústica,muito amada pelo pessoal do bloco  do Pavilhão Pereira Filho, e temida, pelos residentes que sabiam que ela emitia juízo sobre   o talento deles, era na época a responsável pela limpeza do bloco  cirúrgico.

Completamente envolvida com seu trabalho, não conseguia disfarçar o orgulho quando o serviço de controle de infecção hospitalar  informava que as culturas dos ralos   das pias do blico estavam estéreis.
A Liduína    saía ,diariamente, às 17h. Naquela tarde de 15 de maio de 1989, ouvira falar que estávamos em preparativos e que talvez fizéssemos o primeiro transplante de pulmão. Às 20 h ,estava de volta,de cabelo molhado.

Quando lhe perguntei o que fazia ali,ela me confidenciou :" fui para casa,dei banho na minha irmã doente,jantei,e fiquei pensando : "! não é justo  que depois de  15 anos de trabalho,  outra pessoa seja a responsável pela faxina   do bloco  do primeiro transplante de pulmão da América Latina.E voltei !"





Soube naquele momento,abraçado  à  Lidu,que estávamos prontos,e na melhor companhia.Era de se ver a empolgação  com que ela cantarolava fazendo a fazina  da sala cirúrgica enquanto  clareava  um dia inesquecível   na vida de todos nós.
Pobre empresa que não valorize  tipos como Liduína, que fazem  o que fazem no limite da paizão.Porque não importa qual   seja a tarega dessas pessoas :  é fundamental que elas estejam por perto.

***  J.J.Camargo é cirurgião torácico e chefe do setor de transplantes   da Santa Casa de Misericórdia
             de Porto Alegre RS.

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