O apocalipse segundo a "Bíblia"
METÁFORAS
“Os quatro cavaleiros do apocalipse”, de
Billie Water
No início da era cristã,
por volta dos anos 90,
uma onda de opressão e
violência
patrocinada pelo Império
Romano
alvejava a comunidade
judaico-cristã do Mediterrâneo
No início da era cristã, por volta dos anos 90,
uma onda de opressão e violência patrocinada pelo Império Romano alvejava a
comunidade judaico-cristã do Mediterrâneo. O clima hostil serviu de inspiração
para um dos perseguidos, João de Patmos, redigir um conjunto de textos sobre a
história que se passava a sua frente. A obra, intitulada Apocalipse, compõe o
último livro da “Bíblia”. Nela, João faz uma leitura econômica, política e
social do momento do conflito, explica as causas dele e anuncia como será o fim
daqueles dias: a vitória dos que sofriam, do bem sobre o mal. A cada capítulo, o
autor procurava passar uma mensagem de conforto que, longe de produzir
conformismo, pretendia ajudar o povo a entender aquela situação, resistir e
enfrentá-la. Algo como “continue na luta que você vencerá”.
Mais do que o fim do mundo, o Apocalipse de
João anunciava, portanto, o fim dos que mandavam no mundo. Acontece que o
Apocalipse (apokálypsis, em grego, significa revelação) e outros textos do
gênero – que começaram a surgir pelo menos 200 anos antes do de João – são
férteis em metáforas e passagens fantásticas. E é esse traço que dá margem a
interpretações acerca do fim dos tempos por parte de diferentes correntes
religiosas. Personagens e passagens como a besta (que seria, muito
provavelmente, o imperador Nero, segundo o Apocalipse de João), o dragão que
persegue os descendentes de uma mulher (a Igreja Católica), o cordeiro (Jesus
Cristo) enviado dos céus para julgar os homens e os mil anos de paz na Terra vão
sendo relidos ao mesmo tempo que fatos históricos, como a ascensão de Hitler, o
comunismo, a Guerra Fria e o 11 de Setembro, ganham contornos de sinais do final
de tudo.
“Para a tradição apocalíptica americana, que se
desenvolveu com grupos religiosos como adventistas, batistas e presbiterianos no
século XIX, o “Apocalipse” revelaria as fases da história humana, tanto do
passado quanto do futuro próximo, no fim dos tempos” , diz Paulo Nogueira, autor
de “O que É Apocalipse” (editora Brasiliense). Desta forma o anticristo poderia
ser um novo papa ou um novo ditador, ou quem quer que venha a ser entendido por
esses grupos como uma ameaça à liberdade religiosa do mundo e, em especial, uma
ameaça à identidade deles. Outro estudioso do tema, o professor de teologia
Rafael Rodrigues da Silva, da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São
Paulo, reforça a tese com uma indagação: “Qual dos grupos religiosos que leem o
fim do mundo estão ajudando o povo a interpretar a crise econômica mundial?”
Para ele, leituras fundamentalistas dos textos apocalípticos têm afastado o teor
crítico dos escritos antigos e produzido leituras alienantes. “Quando um grupo
perseguido não se entrega e diz que vai vencer em nome de Deus, está fazendo
resistência. Aqui, hoje, aplicam a história para alienar, fecham a doutrina na
questão da salvação e o foco principal do apocalipse – que é ajudar o povo a
enxergar o atual momento e fazer o enfrentamento – é esquecido.”
Alexandre Leone, pesquisador do Centro de
Estudos Judaicos da Universidade de São Paulo (USP), acredita que a crise
econômica seria o fim do mundo do nosso tempo. Entre os judeus, os textos de
caráter apocalíptico se encontram no Livro de Daniel, no Antigo Testamento, e
não no de João. Em comum com os escritos seguidos pelos católicos estão, entre
outros pontos, a vinda de um juiz, no caso o Messias, e a ideia de que a
história caminha para o seu final. A batalha do bem contra o mal, porém, não tem
destaque na literatura rabínica.
“A natureza não muda, ou seja, não há de fato um fim do mundo, mas um mundo novo, um conserto dele”, afirma Leone, rabino da comunidade judaica de Alphaville. A ideia de arrumar o mundo foi elaborada por rabinos originários da Península Ibérica, de onde os judeus foram expulsos no século XV. “Não pode haver uma vitória de uma corrente – isso acabaria com o equilíbrio das coisas. O mal tem de existir solto no mundo porque é nessa dança que tudo acontece”, diz Leone.
“A natureza não muda, ou seja, não há de fato um fim do mundo, mas um mundo novo, um conserto dele”, afirma Leone, rabino da comunidade judaica de Alphaville. A ideia de arrumar o mundo foi elaborada por rabinos originários da Península Ibérica, de onde os judeus foram expulsos no século XV. “Não pode haver uma vitória de uma corrente – isso acabaria com o equilíbrio das coisas. O mal tem de existir solto no mundo porque é nessa dança que tudo acontece”, diz Leone.
Religião monoteísta como o catolicismo e o
judaísmo, o islã também conta com uma teologia apocalíptica. Segundo o “Alcorão”
e as profecias de profetas como Jesus, Abraão e Mohammad – existem, no total,
124 mil profetas –, Deus daria pequenos sinais (como a banalização da vida e da
morte, as mudanças climáticas bruscas e o fato de o homem imitar a mulher na
maneira de se vestir) e grandes avisos (a vinda do anticristo, o retorno de
Jesus, a grande guerra mundial, a inversão da rotação da Terra e o nascimento do
Sol no Ocidente) da proximidade do fim dos dias. Os muçulmanos aguardariam o
retorno de Jesus, que eliminaria o anticristo. Um reino de paz se estabeleceria
até um novo tempo de injustiças se reiniciar. Cristo, então, morreria e com ele
seus fiéis. Na Terra restariam os injustos, que seriam eliminados no fim do
mundo. “Estamos próximos do fim dos tempos. É difícil eu ver algum pequeno sinal
dado por Deus que já não esteja entre nós”, diz o sheik Jihad Hammadeh. As
crises do Oriente Médio, o clima de tensão no Iraque e a expulsão dos palestinos
para a criação de Israel, em meados do século passado, são interpretados pela
literatura islâmica, de acordo com o antropólogo Paulo Hilu, coordenador do
Núcleo de Estudos sobre o Oriente Médio da Universidade Federal Fluminense, como
alguns dos sinais.
Hammadeh, que é presidente da comissão de ética
da União Nacional Islâmica, reforça que somente Deus tem o poder de precisar
quando as profecias irão se concretizar. Nogueira, em “O que É Apocalipse”,
segue esse roteiro e escreve que calcular tempos em que as pragas anunciadas
pelo Apocalipse de João viriam a acontecer é “deixar de levar em consideração a
linguagem mítica em que o ‘Apocalipse’ foi concebido”. No entanto, a humanidade
vive com a perspectiva de que o mundo caminha para o fim, de que há forças
antagônicas contribuindo para isso e se esquece de atentar para a salvação dos
eleitos. “Aquele que lê o Apocalipse não pode viver a vida esperando o consolo
após a morte. Deve procurar a justiça aqui”, diz o cônego Celso Pedro da Silva,
especialista em Sagrada Escritura. “Se quer que os mil anos de paz e
tranquilidade também previstos no Apocalipse aconteçam, tem de aprender a vencer
o dragão agora.”
------------------------------Reportagem por Rodrigo
Cardoso
Fonte: Revista ISTÓ É, on line
Fonte: Revista ISTÓ É, on line
Nenhum comentário:
Postar um comentário