Envelhecimento mental
Fernando Reinach*
Cada uma de nossas características
depende dos genes que herdamos e do ambiente em que nos desenvolvemos. Algumas
características, como a cor de nossa pele, dependem principalmente de
componentes hereditários. Outras, como a língua que falamos, são praticamente
determinadas pelos componentes ambientais. E nossa inteligência, é
preponderantemente determinada por nossos genes ou pelo ambiente em que
crescemos? Agora, com a possibilidade de analisar o genoma de milhares de
pessoas, parece que finalmente será possível determinar quanto cada um desses
elementos contribui para nossa inteligência e, mais importante, qual o peso
desses fatores no nosso envelhecimento mental.
Como não sabemos o que exatamente é a
inteligência, os cientistas definem inteligência como a capacidade de se sair
bem em uma série de testes de habilidade mental. Até recentemente, para tentar
estimar a contribuição dos genes e do ambiente na inteligência, os cientistas
eram forçados a analisar pares de gêmeos univitelinos. Como cada par desse tipo
de gêmeos possui os mesmos genes, qualquer diferença de inteligência entre os
gêmeos advém obrigatoriamente das diferenças ambientais a que foram submetidos.
Mas esses estudos possuem limitações graves. A principal delas é que normalmente
os gêmeos univitelinos são criados e educados na mesma família e tendem a viver
em ambientes semelhantes. Para superar esse problema, os cientistas tentaram
estudar pares de gêmeos univitelinos separados no nascimento, mas aí surge um
novo problema, a amostra é minúscula. O fato é que ainda não sabemos com certeza
quanto da nossa inteligência é herdada e quanto depende de nossa educação.
Mas agora foi descoberta uma nova maneira de
estimar a contribuição dos genes e do ambiente para a inteligência dos seres
humanos. Ela se baseia em dois tipos de dados que só recentemente puderam ser
coletados. Um é a variação da inteligência das pessoas ao longo de mais de 50
anos de vida. Outro é a possibilidade de determinar um número enorme de
características genéticas dessas mesmas pessoas, sequenciando parte de seu
genoma.
Nesse primeiro estudo foram analisadas 1.940
pessoas, parte nascida em 1921 e parte em 1936. Esse grupo inclui todos os
nascidos em duas cidades da Escócia nesses anos. Aos 11 anos de idade (em 1932 e
1947), essas crianças foram submetidas a testes de inteligência. A saúde dessas
pessoas foi acompanhada todos estes anos e recentemente, quando eles fizeram 65,
70 e 79 anos de idade, foram novamente submetidos a testes de inteligência. A
novidade é que agora essas mesmas 1.940 pessoas tiveram parte de seu genoma
sequenciado. No total foram analisados 536.295 locais do genoma de cada uma
dessas pessoas. Para cada um dos 536.295 locais no genoma de cada um dos 1.940
idosos foram determinadas as variantes genéticas presentes.
De posse desses dados, e comparando cada
indivíduo com todos os outros, os cientistas tentaram responder três perguntas.
Primeiro, quais as variantes genéticas estão associadas a um melhor desempenho
nos testes de inteligência aos 11 anos de idade. Segundo, quais as variantes
genéticas estão associadas a um melhor desempenho nos testes de inteligência
nesses indivíduos na velhice. Terceiro, qual a contribuição dos genes para a
diminuição da inteligência ao longo do envelhecimento.
Os resultados dos testes mostram que há uma
correlação entre inteligência medida na infância e a perda de inteligência na
velhice. Pessoas que tinham um resultado melhor na infância tendem a perder essa
capacidade mais tarde e mais lentamente. Além disso foi possível mostrar que,
apesar de existir um grande efeito ambiental sobre a perda da inteligência
durante a vida, um mesmo grupo de variações genéticas está associada a um melhor
desempenho na infância e na velhice, e existe um componente genético que
determina a velocidade dessa perda. Cientistas obtiveram uma primeira estimativa
da contribuição porcentual dos fatores ambientais e genéticos na inteligência e
na sua perda ao longo do envelhecimento.
Apesar desses resultados demonstrarem que esse
novo método funciona, os autores são muito cuidadosos com os números
apresentados, uma vez que os erros nessas estimativas ainda são grandes. Por
agora, a conclusão é que tanto a inteligência quanto sua perda é determinada em
parte pelos genes que herdamos. Para ter certeza do peso relativo dos fatores
ambientais e genéticos vai ser necessário repetir o estudo com um número muito
maior de pessoas, talvez algo da ordem de 20 mil pessoas.
Mas o grande avanço é que esse novo método de
análise promete resolver uma polêmica que já dura mais de 150 anos: a
inteligência humana é determinada principalmente pelos genes ou pelo
ambiente?
MAIS
INFORMAÇÕES: GENETIC CONTRIBUTIONS TO STABILITY AND CHANGE IN INTELLIGENCE FROM
CHILDHOOD TO OLD AGE. NATURE, VOL. 482 PÁG. 212, 2012
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