O fim da privacidade
Carlos Eduardo
Lins da Silva*
VIDA
DIGITAL
Uma das transformações radicais que a
internet e seus subprodutos têm operado na maneira como as pessoas vivem e se
relacionam se refere a um valor cultural que se estabeleceu por pelo menos dois
séculos na maior parte das sociedades do mundo ocidental: o direito à
privacidade.
As empresas que exploram o ciberespaço obtêm
vantagens para ampliar seu faturamento em relação diretamente proporcional à sua
capacidade de invadir a privacidade do maior número possível de pessoas, de modo
a poder conhecer seus hábitos e lhes oferecer produtos.
Aliás, é curioso como o ambiente da internet
continua sendo enxergado por milhões como o reino da liberdade, da quase
anarquia, onde tudo parece ser de graça, em contraposição ao universo da cobiça,
do lucro a todo custo que é a imagem dominante da chamada “velha mídia”.
A revelação do estilo de vida dos proprietários
do website Megaupload, que permite que se baixe músicas, filmes e outros
conteúdos sem pagar direito autoral, após sua prisão na Nova Zelândia há alguns
dias, mostra que essa gente supostamente libertária sabe fazer dinheiro com
grande competência, e eles nem estão entre os maiores magnatas desse
mundo.
Garantia constitucional
Grande parte das pessoas nascidas a partir de
generalização da internet – e em especial das mídias sociais – parece não dar a
menor importância para a sua própria privacidade e está disposta a abrir mão
dela por quase qualquer coisa: acesso a filmes ou músicas, cupons de ofertas,
recomendações de produtos em geral ou mesmo a simples possibilidade de fazer
novos contatos pessoais na rede.
Facebook e similares conseguiram conjugar
exibicionismo e voyeurismo com tanta competência que milhões de adolescentes não
demonstram mínima inibição ao expor a conhecidos superficiais, ou até a
estranhos, intimidades em palavras e imagens sem medir consequências
potencialmente nefastas para o seu futuro profissional, doméstico ou
amoroso.
Esta naturalidade com que a exposição de
intimidade é encarada sem dúvida recebe considerável reforço também de veículos
de comunicação tradicionais, como as emissoras de TV que transmitem reality
shows, uma versão turbinada do que se pratica nas redes sociais.
Quem abre mão de sua privacidade parece não
entender que além das empresas que fazem dinheiro com as informações sobre si
tornadas públicas, outras entidades – inclusive do Estado – pode ter acesso a
elas por meio de várias formas de tecnologia.
Na semana passada, por exemplo, a Suprema Corte
dos EUA decidiu que quando a polícia coloca um aparelho de GPS no carro de um
suspeito para acompanhar seus movimentos, ela está infringindo o direito à
privacidade, que naquele país é garantido pela Constituição, em sua emenda
número 4.
Outra sociedade
O fim da privacidade – que se verifica
diariamente nas mais diversas formas, como, por exemplo, na disseminação cada
vez maior de câmeras de segurança em infindáveis locais públicos – é muitas
vezes justificada como um preço a pagar pelo aumento da segurança pública.
Como já muita gente não dá a menor bola mesmo
para a preservação da sua própria intimidade, mesmo quando a sua segurança não
está em risco, é difícil que haja uma reação social significativa contra a
audácia cada vez mais ousada de aparelhos do Estado para invadir a privacidade
de cidadãos.
Não é possível prever que tipo de sociedade
emergirá quando a maioria de seus integrantes for formada por esses que ainda
são jovens e que decidiram que a privacidade não é um valor digno de ser
preservado. Mas ela certamente será muito diversa daquela que existe
agora.
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Jornalista.
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