quinta-feira, 22 de junho de 2017

Fred Coelho*

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Não serão partidos, empresas, bancos ou tribunais que, sozinhos, irão mudar o país

Vou falar nesta coluna de um tema tão claro em sua importância que soa trágico ter que trazê-lo como assunto. Me refiro ao baixíssimo valor que as áreas do ensino e da pesquisa detêm em nossa sociedade. E digo isso referente não apenas a governos, mas principalmente à população em geral. Cada vez menos, me parece, damos valor à educação como espaço de saberes. Passamos a exigir dela uma resposta prática: dinheiro.

Atualmente, um país que sempre desprezou o trabalho manual também não tem em grande conta o trabalho intelectual. Creio que o perfil massivo do profissional que deve ser admirado é fruto do que se convencionou chamar de “meritocracia”. Empreender individualmente, acumular, ter posses, são atributos que transcendem valores intrínsecos dos fazeres. Capacidades de reflexão crítica tornam-se meros ornamentos que nunca atingirão o perfil do empresário de si mesmo, do maximizador de oportunidades. Afinal, para que “aprender a pescar” se podemos ser donos da vara, do lago, do barco e do peixe?

Talvez essa desqualificação social dos que trabalham nas bordas “inúteis” do regime acumulador de capital e bens materiais (com raízes bem mais profundas do que cabe nesta coluna) explique por que não vemos com a gravidade necessária descalabros que só alimentam nossa sensação de falência completa. Achamos normal a educação pública do país ser em sua amplíssima maioria relegada às parcelas mais pobres. Naturalizamos a ideia de impostos financiarem justamente as instituições formadores da mão de obra manual e sem escolaridade desprezada pela maioria.

Como se a arrecadação pública fosse um investimento para a formação do precariado, contingente que perpetua os traços mais profundos de um país escravocrata. São cidadãos que, depois de abandonada a escola ou a tentativa de universidade, irão trabalhar por péssimos salários para os que tem as posses e, claro, os estudos completos. Esses, são a outra face amarga do professor, tão frágeis em suas carreiras e tão mal pagos quanto os futuros de seus alunos da rede pública — e escrevo isso sabendo que temos exceções.

Achamos compreensível as universidades públicas serem inviabilizadas por orçamentos deficitários em um momento complexo de reformulações por conta da entrada de novos perfis socioculturais. Julgamos grevistas como vagabundos sem nem saber ao certo o que faz um professor escolar ou universitário, trabalho tanto intelectual quanto braçal na preparação das aulas, no preenchimento de relatórios, na ocupação de cargos administrativos, que zelam por toda uma comunidade de alunos, funcionários e pares.

Achamos, por fim, justificável termos redução de investimentos públicos em níveis municipais, estaduais e federais para promoverem ajustes fiscais em tempos de merendas desviadas, espaços escolares conflagrados pela violência, déficit de escolaridade etc. Todas as pesquisas recentes mostram que o jovem que vive fora da escola é o mais vulnerável nas estatísticas brutais ligadas a homicídios no Brasil. Mais uma vez (isso é tão óbvio!), os que morrem são os mesmos que abandonam escolas para ajudar famílias em condições precárias de vida. O ciclo nunca se quebra, pois, quando a escola ou a universidade são largadas, arraiga-se a ideia de que os estudos são para poucos que podem viver seu privilégio de classe — e no Brasil sabemos que esse privilégio não é apenas de quem é muito rico. Ter pouco já é muito perto dos muitos que não têm nada.

Nesse quadro, como incentivar os estudos apenas como um caminho para a obtenção de um fazer ligado ao mercado de trabalho? A reflexão crítica, a empatia, o desejo de inovação, a compreensão da alteridade, a cura das feridas históricas, a construção de éticas comuns, a transformação do ódio social em energia criadora, tudo isso passa pela escola e pela universidade. Não serão partidos, empresas, bancos ou tribunais que, sozinhos, irão mudar o país. Aliás, até mudam, mas para um quadro que neste momento não parece o melhor para se viver. O ensino e a pesquisa, com os seus imensos efeitos permanentes (um indivíduo que aprende a pensar ganha isso para sempre), podem colaborar para uma mudança qualitativa em cenários como o que atravessamos. Cada centavo investido em programas educacionais bem executados retorna de forma perene para o Estado e para toda a comunidade.

Lembro que este é um tempo que, em países como Japão ou os Estados Unidos de Donald Trump, falam do fim das Humanidades como conjunto de saberes financiados pelo Estado. O argumento, em geral, é que são áreas que “não geram lucro” como aquelas envolvidas com tecnologia, patentes e mercados. Pensar, escrever, experimentar, criar ideias, são ações que tornam-se aos poucos espécie de “luxos” dispensáveis quando se almeja o sucesso material. A lógica do lucro se impõe. Assim, especular deixa de ser um verbo intelectual para ser apenas financeiro. Penso, logo invisto. Boa sorte para todos nós.
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* Professor Assistente do Departamento de Letras. Possui graduação em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1994-1999), ...
Fonte:  https://oglobo.globo.com/cultura/o-valor-do-pensar-21498999

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