sexta-feira, 23 de junho de 2017

BRASIL NA ROTA DA DIREITA


Marcus Leoni/Folhapress
O deputado federal e presidenciável Jair Bolsonaro (PSC-RJ) 
em Natal, no começo do mês: um terço de seus eleitores (30%)
 está concentrado na faixa de 16 a 24 anos, 
segundo pesquisas.

"Numa roda de amigos, defender Bolsonaro não é cool. Será?" O post, publicado há dois anos no blog da "Família Bolsonaro", destinava a provocativa pergunta especialmente a adolescentes e jovens. Se você "posa de culto, aberto à modernidade", é mais "fashion" dizer na rodinha que Bolsonaro é "burro ou intolerante", o que lhe ajudará a conquistar a "simpatia nos seus amiguinhos jovens", continuava a publicação. "Adolescentes pseudointelectuais" acreditam em tudo o que leem na mídia, e ninguém quer correr o risco de ficar sozinho e perder o amigo, filosofava a Família Bolsonaro.

Se em 2015 o deputado federal Jair Messias Bolsonaro (PSC-RJ) já colocava sua candidatura presidencial na rua com suas usuais polêmicas, em 2017 a estratégia atingiu resultados surpreendentes. O parlamentar, que carrega com orgulho a bandeira da extrema direita brasileira, virou "cool" - pelo menos para uma parcela significativa do eleitorado mais  escolarizado, sobretudo com renda acima de cinco salários mínimos e jovem. Eleito em 2014 deputado federal com a melhor votação no Rio de Janeiro (464.572 votos), o ex-militar tem hoje mais de 4,3 milhões de seguidores de sua página no Facebook e alcançou nas últimas pesquisas de intenções de votos de confiáveis institutos a preferência de aproximadamente 15% dos eleitores.

O que fez a extrema direita virar "cool" para parte dos brasileiros pode ter intersecções com a onda conservadora mundial que colocou Donald Trump no poder nos Estados Unidos, que apontou a ultranacionalista Marine Le Pen como possível futura presidente da França - derrotada por Emmanuel Macron, que incorporou uma proposta de centro - e que alçou Theresa May ao poderoso posto de primeira-ministra britânica, ainda que sem maioria no Parlamento no pós-Brexit. O Brasil, porém, tem suas peculiaridades. A instabilidade política atual e a amplitude da crise de representatividade, aprofundada pela Operação Lava-Jato, tornam o país um caso complexo.

"As coisas no Brasil são mais misturadas. É a primeira vez na história do Brasil que temos grupos e pessoas assumidamente liberais, no sentido de serem contra a intervenção do Estado na economia. Existiam figuras isoladas no passado, tipo Eugênio Gudin [1886-1986], Roberto Campos [1917- 2001], mas não havia, de fato, grupos e pessoas de todas as camadas sociais que abertamente aderissem a esses valores", afirma o sociólogo Sérgio Abranches. Também é a primeira vez no país, segundo ele, em que parcelas mais significativas dos brasileiros assumem sem temor a defesa de valores e visões de mundo de direita. "O Brasil, durante a maior parte do tempo, tinha uma esquerda e o resto se dizia de centro. Ninguém se assumia como de direita, no sentido de ser conservador, antifeminista, contra a liberdade de expressão generalizada. Isso é um fenômeno muito novo."

O deputado-candidato tem viajado o país, ainda que evite declarar sua candidatura à Presidência às plateias para não ser enquadrado pela lei eleitoral, que veda a campanha antecipada. Procurado pelo Valor por intermédio de sua assessoria de imprensa, o parlamentar não retornou aos pedidos de entrevista. O mesmo ocorreu com seu filho, o também deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSC-RJ). Nas redes sociais, a família Bolsonaro atua em sintonia, na política, para catapultar a candidatura presidencial do chefe do clã. Especula-se nos bastidores da política que Bolsonaro trocará de partido, migrando para o PRB do prefeito do Rio, Marcelo Crivella. Outra possibilidade seria a fragmentação do PRB em uma outra agremiação partidária bem mais à direita, denominada Livres.


Barbara Lopes / Agência O Globo
"Ninguém se assumia como de direita, no sentido de ser conservador, antifeminista",
 diz o sociólogo Sérgio Abranches



Matriz ideológica

O crescimento do conservadorismo no Brasil é flagrante. Em 2014, o Instituto Datafolha apontava, em pesquisa sobre a matriz ideológica brasileira, que 55% dos cidadãos pendiam mais para o lado conservador. O Datafolha vai atualizar essa pesquisa nas próximas semanas, segundo o diretor-geral do instituto, Mauro Paulino. A tendência é que o patamar aumente, diz. "Esse é um processo que vem de algum tempo, mas se avolumou a partir de junho de 2013. Estamos vivendo uma onda de conservadorismo e de admissão deste conservadorismo, sem medo." Paulino acredita que as jornadas de 2013 têm relação indireta com esse processo por terem escancarado a crise de representatividade da democracia brasileira. Não por acaso, afirma ele, a partir daquele ano o percentual de eleitores sem nenhuma preferência partidária ascendeu.

 "Uma das consequências de 2013 foi possibilitar enxergar os traçados dos movimentos, organizações e tendências que estavam sob um terreno meio nublado, com voz ainda pouco potencializada nas redes ou em outras formas de mobilização", afirma Rachel Meneguello, professora de ciência política da Unicamp. "Nada nasce em 2013, mas as ruas favoreceram essa expansão." A partir das manifestações de rua, segundo ela, movimentos de direita, como o MBL [Movimento Brasil Livre], encontraram um espaço "para vocalizar posicionamentos destoantes da legitimação democrática que sobretudo os governos petistas constituíram como ações e discurso". Tais ações não ficaram restritas às ruas, e esses grupos se organizaram também no cenário político-eleitoral, mídias, organizações populares e instituições de ensino. "Enfim, 2013 possibilitou o volume e o espalhamento da extrema direita."
 O apoio do eleitorado jovem a Bolsonaro é surpreendente, admite Mauro Paulino. "Entre os eleitores do Bolsonaro, um terço está concentrado na faixa de 16 a 24 anos. Por exemplo: a Marina [Silva] só tem 23% de seus eleitores nesta faixa, assim como o Lula. O [Geraldo] Alckmin tem 17%. Bolsonaro chega a 30%. Eu interpreto isso como falta de alternativa mesmo, neste ambiente de desencanto, e os jovens são os mais desencantados com a política."

De acordo com o diretor do Datafolha, "novidades e propostas que dão a impressão de que a solução de problemas é simples acabam tendo uma aderência maior" neste contexto. Paulino salienta que é preciso aprofundar os estudos e análises sobre o eleitorado de Bolsonaro. Na próxima pesquisa Datafolha, em que será divulgada a matriz ideológica do brasileiro, também será atualizada a rejeição ao candidato da extrema direita. "Mas é muito surpreendente e acentuado o apoio do eleitor jovem", diz Paulino.
Isadora Brant / Folhapress
Cientista político Antonio Lavareda cita pesquisa mostrando que apenas 32% dos brasileiros 
preferem democracia como forma de governo

Deserto ao centro

O fenômeno Bolsonaro, para Abranches, tem relação direta com a falta de alternativas políticas - candidaturas viáveis - pelo centro e pela esquerda. "O fato é que estamos numa enrascada no Brasil, e por isso se fortalece a extrema direita. É exatamente a falta de alternativa do centro para a esquerda, a essa esquerda que se colocou impermeável a qualquer tipo de diálogo.

Mesmo a direita liberal-democrática, a centro-direita e até uma direita nacionalista, avessa ao Estado mínimo, acaba migrando para o polo do "bolsonarismo", na opinião de Abranches, por confundir a candidatura do parlamentar com o antipetismo ou o antiesquerdismo. Em sua conta no Twitter, Bolsonaro dá mostras de que não precisa se situar com clareza no espectro ideológico, como seus eleitores. "Simples: somos o oposto ideológico do PT e de Lula", publicou recentemente.

Outro aspecto intrigante é que a extrema direita não é um amálgama ideológico homogêneo. Tampouco são apenas as questões mercadológicas e econômicas que separam um liberal de um esquerdista.

Muitas vezes os valores morais podem ser muito mais significativos para diferenciar esses espectros. "O povo é bastante contraditório", afirma o diretor do Datafolha. "Há pessoas que defendem posse de armas, mas ao mesmo tempo acham que a homossexualidade deve ser aceita."

"Nossa direita partidária sempre foi fragmentada, na década de 1990 era a mais fragmentada da América Latina [com países que também experimentaram ditaduras], com mais de 14 partidos organizados. Essa multiplicidade perdura não apenas pela variedade de espaços que interesses e lideranças ocupam, mas por conta dos incentivos do sistema eleitoral e partidário. Estimar que para 2018 teremos nova força importante à direita é subestimar a capacidade [mesmo em crise] das forças políticas presentes e superestimar a capacidade criativa estrutural dessa direita", diz Rachel Meneguello.

 Silvia Zamboni / Valor

"Propostas que dão a impressão de que a solução de problemas é simples acabam tendo aderência maior", 
diz Mauro Paulino (Datafolha)


Extremos

Se Bolsonaro representa o radicalismo à direita, a esquerda, para o sociólogo Sérgio Abranches, se aprisionou no extremo oposto. "O mesmo fenômeno ocorre do lado de lá: a esquerda brasileira estigmatizou todas as formas alternativas de pensamento. E, ao fazer isso, impediu a emergência de uma nova esquerda, de uma visão de esquerda mais contemporânea, de novos pensamentos." Ambos os extremos são retrato da intolerância autoritária, afirma.

No caminho do meio, o que convencionalmente se chamaria de centro, não há muitas pegadas. A Lava-Jato colocou todos no mesmo balaio. "A gente quase não tem alternativa porque estão todos eles se tornando homogeneamente clientelistas. É o que eu chamo de peemedebização geral da política brasileira, que atinge um pedaço da direita e um pedaço da esquerda, tanto que estão todos eles, juntos, envolvidos na Lava-Jato. Adotaram o mesmo padrão moral de fazer política", diz Abranches. Não por acaso, um dos slogans preferidos dos fãs de Bolsonaro é: "Meu candidato é apoiado pela polícia. O seu é procurado por ela".

"Bolsonaro faz parte de um partido que está nesta mesma mixórdia, mas se apresenta como alternativa: vou prender, acontecer, arrebentar. Aí muita gente acaba pensando: 'Pô, quem sabe não é a esperança, a solução'. Então ele exerce um atrativo maior do que exerceria em condições normais, se houvesse alternativas tanto à esquerda quanto à direita diferentes  desta coisa que a gente tem aí e que ninguém quer."

Tal mixórdia partidária parece ter ajudado a esquerda, paradoxalmente. "Há a sensação de que está tudo errado, de que todos fazem parte do mesmo caldeirão. As pessoas, então, passam a voltar a confiar e a depositar o voto e a esperança em Lula e no PT. Tem esse outro lado também", afirma Mauro Paulino. Ele pontua que tanto Lula quanto Bolsonaro são os prováveis candidatos que mais crescem nos cenários de intenção de votos hoje.

Se no fim de 2016 o PT viveu sua pior desgraça, vendo a preferência da legenda pelo eleitorado cair para 8 pontos percentuais - índice semelhante ao da época de sua fundação -, 2017 trouxe ventos novos e o partido mostra sinais de recuperação. "Lula e o PT são marcas, junto aos segmentos mais pobres, muito fortes. Principalmente a marca Lula, que está associada aos ganhos que esse segmento obteve especialmente a partir de 2002 até 2010. Ficou a lembrança, a saudade dos tempos em que esses segmentos prosperaram. Isso se reflete agora, sobretudo neste momento, em que as acusações se misturam, e não estão mais concentradas só no PT", diz Paulino.


Fábio Guinalz / Folhapress
Rachel Meneguello (Unicamp) diz que imaginar nova força à direita em 2018 é subestimar
 a capacidade das forças políticas presentes


Águas turvas

É preciso dimensionar o mercado eleitoral não democrático no Brasil para compreender as razões pelas quais uma candidatura como a de Bolsonaro tem potencial competitivo, afirma o cientista político Antonio Lavareda. "Na condição de ex-militar, pelas circunstâncias de nossa história, ele utiliza, inclusive, uma certa valorização regressiva da ditadura militar. Bolsonaro é populista autoritário, explicita a nostalgia do período militar, então o mercado dele tem que ser um mercado do eleitorado não substancialmente democrático."

E qual o tamanho desse mercado supostamente não democrático no Brasil hoje? Para Lavareda, o melhor indicativo é a pesquisa realizada pelo instituto Latinobarómetro em 2016 com intuito de medir o apoio dos países latino-americanos à democracia. Considerando o conjunto de países, 54% dos povos latino-americanos apoiam a democracia. No Brasil, porém, esse patamar ficou surpreendentemente bem inferior: apenas 32% dos brasileiros identificaram a democracia como a forma de governo "preferível". "Isso nos diz que, aparentemente, você tem um mercado muito grande onde o Bolsonaro eventualmente pode arrebatar votos."

A queda dramática do apoio à democracia, para Lavareda, tem explicações óbvias. "A superposição de crise política com crise econômica, e crise moral disseminada a partir da Lava-Jato, deprimiram esses números e produziram essa inflexão que nos deixou nesta situação de penúltima colocação, acima apenas da Guatemala." E é "nestas águas turvas,  de pouca valorização efetiva da democracia entre nós", diz Lavareda, que a candidatura Bolsonaro navega e, "obviamente, pode se expandir".

Pesquisa Ibope de abril deste ano mediu o potencial de voto dos prováveis candidatos à Presidência - 8% dos entrevistados disseram que votariam em Bolsonaro com certeza e 9% poderiam votar. "Então o mercado potencial de Bolsonaro, hoje, é alguma coisa em torno de 17%", diz Lavareda. "É pouco? Não é pouco. Esse contingente, entre os que têm nível superior, alcança 24%. E entre as pessoas que têm renda de dois a cinco salários mínimos chega a 22%. E entre os que ganham mais de cinco salários, o percentual chega a 30%."

Lavareda considera exercício infrutífero buscar similaridades entre a ascensão da extrema direita no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos. "A eleição do Trump foi uma circunstância muito peculiar, não tem nada a ver com uma eventual emergência da extrema direita no Brasil. O Brexit no Reino Unido é outra coisa também. A Marine Le Pen sempre foi alimentada por xenofobia, hipernacionalismo, pela crise da Europa que agora vai se dissipando. Acho uma bobagem fazer contexto disso com o Brasil", afirma o cientista político.

Também seria simplista, segundo a professora Rachel Meneguello, fazer associações diretas entre a ascensão da extrema direita e do nacionalismo com a crise migratória no mundo. "É simplificar muito o problema e não observar seus condicionantes históricos e políticos." A democracia é um fenômeno recente, alega Rachel. No pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945) é que a Europa começa a definir rumos importantes e muitos países do Leste Europeu só começam a trilhar esse caminho após queda do muro de Berlim, em 1989. Em muitas dessas experiências, acrescenta, o Estado do bem-estar social não foi capaz de fornecer respostas suficientes, as instituições democráticas nem sempre funcionaram a contento para consolidar direitos humanos, civis e sociais. Sem contar que aspectos culturais específicos exercem influência direta na forma como uma sociedade enxerga e lida com a democracia. "Em muitos desses países a crise de representatividade dos partidos e do governo representativo terá papel central na expansão de posicionamentos não democráticos." O Brasil pode ser compreendido também nesse contexto.

Pedro Ladeira / Folhapress
 Movimento pelo impeachment de Dilma: 'Vivemos uma onda de conservadorismo',
 diz Paulino

Transição em rede

Se Lula apostou no "Sem medo de ser feliz" em 2002, Bolsonaro aposta no "Sem medo de ser de direita" para encarar a disputa de 2018. "A abertura dos portos da comunicação digital", diz o sociólogo Sérgio Abranches, explicaria a maneira desabrida com que os brasileiros passaram a defender a pena de morte, o porte de armas, o Estado mínimo e a militarização, entre outros ideais do espectro da extrema direita. Ele trata exatamente desses temas em seu novo livro, "A Era do Imprevisto: A Grande Transição do Século XXI".

Digitalização, globalização e intensa troca de informações em rede são fenômenos que permitiram às pessoas encontrarem seus iguais pelo mundo afora. "Agora você entra no Facebook, Twitter, Instagram, SnapChat, qualquer lugar, mídia tradicional ou alternativa do mundo inteiro, e você pode ver alguém como você. Um contador aqui no Brasil encontra um  contador americano defendendo as ideias em que acredita. E ele deixa de ter vergonha."

Ninguém mais sussura. As pessoas vão às ruas, com cartazes, dizendo exatamente o que pensam. "Essa tomada de posição aberta, que é óbvia e banal na Europa e nos EUA, não era aqui. Agora as pessoas descobriram que é possível ser de direita, de esquerda, de centro, normalmente, e que as ideias têm nomes, e que esses nomes não são palavrões", afirma Abranches.

Essa velocidade e o fácil acesso à informação, na visão de Paulino, é exatamente a interface que explicaria os fenômenos de extrema direita no mundo. "A troca e produção de informações nas redes sociais são um fenômeno mundial. Ocorre seja nos países desenvolvidos ou não. O ponto de intersecção é a facilidade com que se pode propagar hoje ideias que antes ou ficavam mais ocultas e agora são mais explicitadas pela facilidade de comunicação ou porque de fato há esse vazio que os eleitores sentem em relação à política tradicional. O recado mundial que existe é: a política tradicional já não nos representa mais."
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Texto Por Malu Delgado | Para o Valor, de São Paulo

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