diz biólogo britânico
Fila dando volta no quarteirão. Parecia estreia
de um filme de Hollywood.
Tudo para ver a palestra de Richard Dawkins,
72, talvez o ateu mais famoso do mundo, biólogo, tipo raro de intelectual
híbrido que se comunica bem com o grande público e com os eruditos dos centros
de pesquisa de ponta.
Dawkins alcançou notoriedade tanto nos círculos
acadêmicos dos departamentos de biologia quanto no delicado debate público sobre
o papel das religiões no mundo contemporâneo.
Após a publicação do livro "O Gene Egoísta",
Dawkins ganhou evidência na academia ao deslocar o foco dos estudos em biologia
evolutiva dos grupos e organismos para o estudo dos genes.
Segundo o biólogo, quanto mais parecidas duas
espécies, maior a tendência de se comportarem de forma cooperativa -o que
explicaria em parte tendências altruístas entre seres geneticamente
semelhantes.
Ironicamente, tais pendores altruístas viriam
do chamado "egoísmo dos genes", uma tendência biológica das espécies de quererem
espalhar seus genes.
Dawkins atingiu o grande público ao atacar a noção de um criador do cosmos onisciente e onipotente.
Dawkins atingiu o grande público ao atacar a noção de um criador do cosmos onisciente e onipotente.
No livro "O Relojoeiro Cego", Dawkins argumenta
que a suposta perfeição da natureza e o aparente design que se observa no mundo
podem ser explicados, ainda que parcialmente, por meio da biologia
evolutiva.
Com "Deus, um Delírio", o cientista britânico
nascido em Nairobi (Quênia) se tornou best-seller, ao ampliar suas críticas às
religiões em geral e defender que não há necessidade de se conhecer o pensamento
religioso ou ter qualquer conexão com entidades divinas para se viver uma vida
moralmente digna e eticamente responsável.
Mais recentemente, o cientista tem-se dedicado
a viajar o mundo para debater com autoridades religiosas. Boa parte do material
gravado abastece os diversos documentários dos quais o cientista
participou.
Figura polêmica, Dawkins tem provocado a
admiração da comunidade leiga ao pregar o entusiasmo pelo pensamento livre e não
dogmático; e também a ira de muitos líderes religiosos por sua crítica impiedosa
ao criacionismo -tese que rejeita a evolução das espécies- e, ao mesmo tempo,
sua apologia do ateísmo.
Apesar do pensamento sofisticado, agudo e
ferino, Dawkins pareceu bastante áfavel, brincalhão e interessado nas ideias
alheias.
Foi no dia seguinte à palestra de Dawkins para
mais de 1.500 pessoas numa pequena sala sala da Universidade da Pensilvânia, no
mês passado, que esse pop star do ateísmo no mundo concedeu à Folha a
entrevista a seguir.
*
Folha - Deus existe?
Richard Dawkins - Nós não sabemos se
fadas existem. Nós não levamos a sério a existência do deus nórdico Thor, ou de
Zeus, ou de Dionísio ou de Shiva.
Até que tenhamos sérias evidências de que algum deles existiu ou exista, não perdemos tempo com isso. Por que deveria ser diferente com o Deus cristão ou com o judeu ou com o muçulmano?
Até que tenhamos sérias evidências de que algum deles existiu ou exista, não perdemos tempo com isso. Por que deveria ser diferente com o Deus cristão ou com o judeu ou com o muçulmano?
Mesmo que alguém concorde com o que o sr. acaba
de dizer, há milhares de fiéis pelo mundo. É possível explicar essa enorme
propensão à fé?
Há experimentos em psicologia infantil que
demonstram que crianças, quando indagadas sobre a existência de uma pedra
pontiaguda em um ambiente, preferem a explicação que tenha causa e consequência
claras.
Em outras palavras, preferem acreditar que a
pedra é pontiaguda para que os animais daquele ambiente possam usá-la para se
coçarem.
Não aceitam que a pedra pontiaguda se formou a
partir de processos geológicos e da erosão através do vento e da água. Talvez
muitos dos fiéis de hoje ainda retenham esta atitude infantil ao pensarem sobre
o mundo.
Um outra hipótese é que a propensão à fé seja
simplesmente um resquício do medo de se ficar só em um ambiente hostil. Nossos
ancestrais viviam sob constante ameaça de serem atacados e mortos por animais
selvagens.
Pode ser que nossa necessidade de criar
fantasmas e divindades que vão nos punir esteja conectada com esse traço
evolutivo presente em nossos primórdios.
O sr. diz que há uma tendência ao silêncio
em relação às doutrinas religiosas dos outros, que as pessoas evitam debater
sobre suas próprias crenças, e que esse fato é nocivo à sociedade. Não seria
necessário simplesmente respeitar as diferentes crenças das pessoas?
Não devemos respeitar crenças que influenciam a
vida de crianças e que vão contra conhecimento dado como consenso na comunidade
científica.
Uma coisa é uma pessoa dizer que acredita em
Papai Noel e manter esta crença dentro de sua família -ainda que eu considere
uma pena para os filhos.
Quando algumas pessoas, contudo, começam a
ensinar que a Terra tem apenas cerca de 10 mil anos, aí eu acho um absurdo e
quero lutar contra isso.
Um novo papa acaba de ser eleito. Ele é
argentino. É possível dizer que isso representa um avanço em termos políticos da
fé no mundo em desenvolvimento?
Se pensarmos que haverá uma menor centralização
política daqueles que determinam o futuro da Igreja Católica, sim, sem dúvida.
No Brasil, a Igreja Católica tem perdido fiéis
para outras tradições protestantes. Alguns atribuem tal fenômeno à dinâmica dos
rituais católicos, ainda bastante hierarquizados e tradicionais, se comparados
às religiões protestantes.
Não conheço bem o contexto brasileiro, mas é
possível imaginar que a não participação ativa dos fiéis nas missas católicas é
um dos fatores que provavelmente têm contribuído para tal queda.
Explicando melhor, os rituais protestantes nos
EUA são como shows, os participantes dançam, cantam, tocam
instrumentos.
Suponho que no Brasil as missas ainda tenham um formato bastante tradicional e que provavelmente tenham pouco apelo social para conquistar seguidores jovens.
Suponho que no Brasil as missas ainda tenham um formato bastante tradicional e que provavelmente tenham pouco apelo social para conquistar seguidores jovens.
Em sua obra, o sr. dá ênfase à possibilidade
de qualquer um rejeitar crenças religiosas ou vivências espirituais e ainda
assim ter uma vida plena e ética. Sem as religiões, onde é que encontraríamos
códigos morais?
Suspeito que não encontramos regras morais nos
ensinamentos religiosos. Se fosse esse o caso, nossa conduta moral não se
alteraria praticamente a cada década. Seria estanque.
Pense que até bem recentemente nós
considerávamos a escravidão como algo normal e que também as mulheres não
deveriam participar dos processos democráticos.
E quanto ao que não conseguimos explicar?
Não vem daí uma das "necessidades" da religião e da crença no
"sobrenatural"?
Essa talvez seja uma das explicações que mais
me aborrecem para se crer em uma deidade.
Eu gostaria que as pessoas não fossem
preguiçosas, covardes e derrotistas o suficiente para dizer: "Eu não consigo
explicar, portanto isso deve ser algo sobrenatural". A resposta mais correta e
corajosa seria a seguinte: "Eu não sei ainda, mas estou trabalhando para
saber".
Acabam de ser divulgados os primeiros
resultados das pesquisas sobre índices de felicidade idealizados pelo governo do
primeiro-ministro britânico, David Cameron. O sr. já investigou a relação entre
religiosidade e felicidade?
Não vi os resultados ainda. Quanto à relação
entre religiosidade e felicidade, ainda que eu não tenha estudado o assunto, é
possível prever que tal correlação é mais um mito do que um fato.
Os países que apresentam melhores índices de
desenvolvimento humano e, em tese, uma melhor condição para a existência da
felicidade, são países com o maior número de ateus do mundo.
Seus cidadãos encontram bem-estar, alegria e
consolo nas possibilidades sociais, culturais e intelectuais concretamente
disponíveis em seus países, não em entes divinos.
--------------
Reportagem por RONALDO RIBEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, NA FILADÉLFIA (EUA)
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, NA FILADÉLFIA (EUA)
Fonte:
Folha on line, 01/04/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário