domingo, 14 de abril de 2013

" A sensibilidade com um desafio " , < Dr.J.J.Camargo >

Todas as atividades humanas, emocionalmente desafiadoras, envolvem o manejo da sensibilidade, umas mais que outras, mas nenhuma que prescinda dela.
 

 
Os médicos precisam aprender a conduzir a ameaça da morte com esperança, e descobrir que na doença, o oposto de medo não é a coragem, mas a fé. O paciente precisa acreditar em quem vai cuidar dele, para que qualquer tratamento alcance seu limite de competência.

Quando uma nova turma de residentes chega ao hospital, fica evidente a carência das nossas universidades que ensinam a usar a tecnologia mais sofisticada, mas ignoram a importância de transmitir os fundamentos básicos da arte de ser médico, que muitas vezes dependem de virtudes inatas de cada um.

Um dia desses, contei aos alunos a história de um mendigo que se acomodou numa das pontes do Sena em Paris e lá, alheio à beleza inigualável da uma tarde de primavera, estendeu um farrapo de cobertor, e dispôs um velho chapéu coco que apoiava uma cartolina onde alguém escrevera a giz: “Me ajudem porque sou cego!” No fim da manhã, não havia moedas no chapéu.

Um publicitário que passava por ali, tomou o giz, mudou o texto da cartolina e foi embora.

Quando voltou, no final da tarde, o chapéu transbordava, e o cego, reconhecendo seu benfeitor pelos passos, perguntou, curioso: “O que você escreveu na minha cartolina?” O publicitário respondeu: “Basicamente a mesma coisa, só que em outras palavras.”

E foi embora sorrindo, porque o pobre cego nunca saberia que ele escrevera simplesmente: “Me ajudem porque é primavera em Paris e eu não posso vê-la”.

Na relação com pessoas fragilizadas pela doença, é impressionante a força que pode ter um mero jogo de palavras.

Infelizmente, há médicos que não percebem que anunciar um risco cirúrgico de 10% é completamente diferente de prognosticar uma chance de sucesso de 90%.

É triste conviver com a insensibilidade dos que acreditam que estes números querem dizer, rigorosamente, a mesma coisa.
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* Diretor de Cirurgia Torácica do Pavilhão Pereira Filho da Santa Casa
Fonte: ZH

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