quinta-feira, 11 de abril de 2013

" Em busca da tradução ideal de Marcel Proust "

 
 
 
 
 
 
 

Juremir Machado da Silva*

marcel-proust-madeleine

                                                           Raparigas ou garotas?

Meu amigo Eron Duarte Fagundes, cinéfilo e leitor sofisticado, me falou de uma nova tradução de “Em busca do tempo perdido”, obra-prima de Marcel Proust. Essa nova tradução, feita pelo jornalista Mário Sérgio Conti, quer atualizar a que foi produzida por Mário Quintana, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade para a Editora Globo. O atual tradutor quer corrigir erros – artista ateu virou artista culto – e evitar “regionalismos”. Quintana traduziu “jeunes filles” por raparigas. Ficou “À sombra das raparigas em flor”. Temi que Conti optasse por “À sombra das garotas em flor”. Cariocas e paulistas acham que seus regionalismos são universais. Ou, no mínimo, nacionais. Não aceitam que se traduza o tu francês pelo nosso tu. Chamam isso também de regionalismo. Só admitem o você. Eta, bairrismo central!

Mário Sérgio Conti justifica a dificuldade de Quintana em seguir a musicalidade de Proust com um argumento bizarro: “Mário Quintana não tinha formação universitária e nunca foi à França, então a tradução dele tem um problema em reproduzir a sonoridade do Proust, algo de que ele passa ao largo”. Dá para admitir que não ter convivido com os franceses possa afetar o ouvido para a língua deles. Mas o que tem a universidade com isso? Conti também não é um acadêmico. É apenas mais um jornalista desempregado ou semiempregado tentando achar o que fazer, ganhar algum dinheiro e ainda, quem sabe, alcançar alguma notoriedade local, especialmente com ajuda dos amigos da mídia encastelados nos tediosos suplementos de cultura do chamado eixo Rio-São Paulo.

Pelo que entendi, Conti vai trocar raparigas por moças, o que é um acerto. Não precisamos amarrar novamente nossos cavalos no obelisco da avenida Rio Branco para vingar a honra do nosso Quintana. Traduções envelhecem. São sempre provisórias. Empenhar-se em retraduzir Proust é melhor do que ser o primeiro a traduzir o último best-seller de vampiros. A obra de Proust é uma catedral gótica. Dá vontade de explorar cada vitral. Traduzi-la dá certamente a sensação de participar da sua construção. Permite imaginar que se é coautor. Por mais que a tradução seja, como pretendem alguns, uma transcriação, a alma de um livro jamais é inventada por um tradutor. Raparigas, moças ou garotas? Tanto faz. A essência está em outro lugar. É uma atmosfera poética.

Em todo caso, Conti precisa saber de uma coisa: Quintana não tinha formação universitária, mas tinha ouvido. Depois dessas declarações, Conti está na obrigação de parir algo muito melhor. A sua aventura tem, de qualquer maneira, um ponto positivo: tentar relançar o interesse por Marcel Proust no Brasil. Tarefa inglória. Proust, Joyce e Céline continuarão sendo para poucos. A chamada grande literatura universal é para muito poucos. A culpa, quanto a isso, raramente é das traduções. Mesmo as piores abrem janelas para novos horizontes. O que diria Quintana depois de ouvir as declarações de Conti? “Eles passarão, eu passarinho”? Ou que tempo perdido?
--------------
* Sociólogo. Escritor. Prof. Universitário. Colunista do Correio do Povo
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/08/04/2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário