sábado, 5 de novembro de 2011

A Caneta e a Enxada , de Nilson Souza


Adoro livros. Nenhuma invenção simboliza tão bem o gênio humano quanto esses pequenos objetos compostos por frágeis folhas de papel, mas capazes de condensar séculos de conhecimento, milênios de imaginação e uma eternidade de sentimentos.

Cada vírgula impressa, sentenciou o nosso poeta que virou estátua na praça dos livros, é uma confissão do seu autor. Trabalho diariamente com esses signos da comunicação e sou obrigado a reconhecer que é bem assim.

Mas a feira que visitarei neste sábado, como faço a cada semana, não tem livros. Mas tem histórias. É uma feira agrícola, de produtos orgânicos, que se materializa numa comunidade de frutas e verduras nas primeiras horas da manhã e desaparece depois do meio-dia – como uma daquelas cidades encantadas dos nossos melhores ficcionistas.

Pois já conheço bem os habitantes desta Macondo de rúculas e abóboras. Gosto de conversar com os feirantes, de ouvir os seus relatos, de saber que por trás de cada molho de cenoura tem uma aventura da vida no campo.

O homem que vende bananas explica para um cliente como faz o desbaste de sua plantação. A senhora dos biscoitos sem glúten fala sobre os sabores mais deliciosos. A família da banca das laranjas dá lições sobre a melhor época para plantar e colher as suas frutas.

Gosto de conversar com aquela gente simples e trabalhadora. Outro dia, contei ao homem que me servia que também fui feirante na primeira adolescência. Trabalhava na banca de meu padrinho. Acordávamos de madrugada, embarcávamos num caminhão velho e, antes do dia clarear, tínhamos que armar rapidamente o balcão improvisado e sua cobertura de lona, já com a freguesia chegando para levar os produtos mais frescos. Era uma correria.

Ao meio-dia, desarmávamos o circo e corríamos para outro ponto, onde começava tudo de novo até o anoitecer. Como usávamos aquelas balanças antigas, com pesos, tínhamos também que enfrentar a desconfiança de alguns clientes. Era uma barra.

A feira ecológica que frequento me parece bem mais tranquila. Claro que agora estou do outro lado do balcão, mas tenho a impressão de que fregueses e feirantes desenvolveram uma cordialidade mútua, de pessoas que comungam ideias e valores.

Tem lá a sua semelhança com a Feira do Livro. Basta ouvir o que contam os agricultores para se constatar que eles também escrevem, com a enxada e o forcado, as crônicas, os contos e os romances de suas vidas.



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