domingo, 29 de julho de 2012

" As tatuagens" - J.J.Camargo

A tentativa de mudar o aspecto original é milenar, seja por modismo ou inconformidade com a própria figura. E isso desde tempos remotos, quando gerações primitivas praticavam verdadeiras automutilações para lograrem uma imagem que era tão mais festejada quanto mais bizarra e chocante.

A moda da tatuagem atingiu na atualidade tons de obrigatoriedade, como se o não tatuado fosse um ser inferior, sem noção da importância de fazer parte dessa tribo de gosto, no mínimo, duvidoso.

Algumas mulheres, lindas e solenes como devem ser as lindas, batem o ponto com uma florzinha discreta na nuca, só visível quando, cheias de charme, enrolam os cabelos sob a aparente alegação, sempre falsa, de calor no pescoço.

Outras implantam um coraçãozinho colorido na virilha, onde só será visto por quem tenha tanta intimidade que ajude a remover o biquíni.

Até aqui, é pelo menos tolerável. Mais do que isso: é discutível. A propósito, qualquer tatuagem no dorso do pé parece sujeira.

Logo depois desfilam os ingênuos e os imprudentes, que tatuam declarações definitivas ao amor, esse sentimento marcado pela efemeridade. Como manter o entusiasmo sexual do Raul se logo acima do cóccix há uma jura de amor pelo Duda?

E a fé precisa ser assumida com frases nas costas? Desculpe, mas aquela espalda maravilhosamente linda que estava no elevador não merecia o “E livrai-nos de todo o mal. Amém!” Essa devoção estaria bem guardada em algum escaninho secreto da alma.

Claro que todos têm o inviolável direito de dar o destino que lhes agradar a sua própria aparência. Até os que praticam a aberração de tatuar o corpo inteiro, que dá aquele aspecto grotesco e repulsivo, e que desafiam os psiquiatras de plantão a tratar uma falência tão absoluta da autoestima. Não saberia como ajudá-los, e, assim, me limito a assistir, sem compreender.

O que é certo é que todo o tatuado ignora uma verdade absoluta e irrevogável: ele vai envelhecer!

Pensei nisso observando na fila de um banco. Um velho hippie que provavelmente na flor da juventude, lá pelos anos 70, tatuou um jaguar nas costas e uma declaração de amor no peito. Triste ver o bichano acocorado pelo enrugamento da pele. E quando ele se virou, me dei conta que a sua musa vai ter que se contentar com uma mensagem cifrada. Várias letras sumiram nas pregas da velhice. Tomara que a amada ainda seja a mesma – e que tenha boa memória.

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