terça-feira, 18 de outubro de 2011

O legado que a Grécia deixou ...









Verdadeiro demais
[Cláudio Moreno]
É incomparável o legado que a Grécia nos deixou na literatura e na escultura; da obra de seus pintores, contudo, não nos restou praticamente nada, a não ser o título e o tema de alguns quadros famosos. Pela descrição de seus contemporâneos, dá para ver que ainda estavam presos a um ingênuo realismo, exigindo do pintor uma fidelidade quase fotográfica aos objetos retratados.

Isso fica bem claro no clássico incidente entre Zêuxis e Parrásio, dois mestres admiradíssimos, que se defrontaram num concurso para ver quem era o melhor pintor. Quando Zêuxis descerrou sua tela, que representava um cesto com belas uvas maduras, vários pássaros entraram no recinto, atraídos pelas frutas.

Orgulhoso desta aprovação inesperada, Zêuxis voltou os olhos, curioso, para a tela de Parrásio, que ainda continuava coberta, exigindo que abrissem a cortina para ver o que continha – quando então percebeu, abismado, que aquilo que ele tinha tomado, desde o princípio, por tecido, era na verdade a pintura que o rival tinha feito. Zêuxis, com nobre humildade, proclamou-o então vitorioso, porque, se as suas uvas haviam iludido os passarinhos, a cortina havia iludido a ele próprio, um pintor experiente.

O mesmo Zêuxis, anos depois, pintou um menino com um cacho de uvas na mão; novamente os pássaros vieram voltejar em torno do quadro, atraídos pelas frutas, o que arrasou nosso pintor. Desolado com a própria incompetência, declarou, solenemente, que estava limitado a ser apenas um bom pintor de uvas, pois, se também fosse bom com a figura humana, os pássaros, com medo do menino, não teriam tido a coragem de se aproximar da tela.

Com o passar dos séculos, no entanto, o pintor foi se tornando um verdadeiro artista, preocupado em expressar um modo único de enxergar a realidade; não sei o que os pássaros diriam de Van Gogh, mas sei que ele mudou para sempre nossa maneira de ver um simples canteiro de girassóis. À destreza da mão que maneja o pincel vieram se juntar o olho e a alma do pintor, e à história de Zêuxis podemos contrapor a de Velazquez, que pintou, em 1650, o papa Inocêncio X.

Quando o pontífice viu, no retrato pronto, a expressão tensa de seu próprio rosto, o cenho franzido, os olhos quase ferozes, ficou desconcertado; Velazquez havia captado com tal maestria o lado oculto de sua personalidade que exclamou, numa crítica que se tornou o melhor elogio: “Troppo vero”. Era fiel demais.

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