domingo, 22 de janeiro de 2012

Waldrausch ...

Waldrausch " ... quando as memórias de infância carecem do encanto necessário,sempre temos na ficção um lugar seguro para estar enquanto a tempestade passa "!

Texto de Diana Corso


Esses dias fazia de segundo violino para Lya Luft numa palestra.Escutando uma história da sua infância,quase me perco da minha função.Sua prosa envolvente,em que realidade e ficção perdem o sentido do limite,me embalava.

Ela estava no jardim de casa quando começava uma tempestade.Sentia a vegetação agitada pelo vento,um ar carregado de ameaças.A tempesstade é um encontro menor com o caos.No vento,que anuncia a água e os trovões,há uma gravidade,uma urgência no ar.É um momento de desamparo: dá vontade de correr para um abrigo " estar dentro " - não importa do quê.

Eis que a mãe se aproxima da pequena Lya,paralisada,abaixa-se e lhe sussurra em alemão,língua na qual transitava na infância:" é o "waldrausch " .O " rumor do bosque "!- ela nos traduz.A criança se acalmou,o medo transmutou-se em poesia.A ameaça do mau tempo tornou-se uma espécie de conto de fadas,assustador,mas fascinante,como um filme de terror,uma sinfonia angustiante,que nem por isso deixa-se de escutar.Uma simples palavra pronunciada pela mãe faz a diferença.Deve ter sido assim que ela Lya Luft virou escritora,ofício que,aliás,começou - não por acaso.


Lembro-me de uma amiga que me contava história avessa.Sua mãe pouco saía de casa,sobrecarregando-a com o cuidado dos irmãos.Dentre as ameaças do mundo,eram as tempestades os piores inimigos dessa mulher,movimento no qual recolhia os filhos e abrigava-se embaixo da mesa.



Ela cresceu corajosa,sina frequente dos primogênitos que podem contar pouco com os pais.Porém sofria de uma dependência amorosa,da qual custou a se livrar:_ o ser amado era seu lugar seguro.Um grande e fracassado amor foi para ela como a mesa,abrigo que a mãe usava para se proteger da tempestade.Quão diferente teria sido se fosse uma mãe que pudesse continuar lhe sussurrando ao ouvido cada vez que o desamparo ameaçava " é o rumor do bosque "!!! ...Esse bosque está sempre dentro de nós.

Uma floresta de pensamentos,fantasias e pesadelos feitos de amor e morte.Em nossa turbulenta natureza interior,ventanias,cataclismos se armam de tanto em tanto.Tanto sabemos disso que trememos a cada brisa sinistra,carregada de cheiros que vieram sem ser convidados.Quando as memórias de infância carecem do encanto necessário,sempre temos na ficção um lugar seguro para estar enquanto a tempestade passa,cumprindo seu ciclo.

Há os que partilham suas metáforas ,seus bosques e ventos,ao pé do nosso ouvido.Enquanto outros há,que garimpam essa palavra que permite atravessar a rude natureza da alma.

Diana Corsa é psicanalista.

Lya Luft é escritora.





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