domingo, 3 de dezembro de 2017



Desigualdade social começou na pré-história graças a animais domésticos

Reinaldo José Lopes

As raízes da desigualdade são profundas. Não estou falando apenas dos abismos que separam uma classe social da outra no Brasil ou na Alemanha, mas também dos que existem entre a Europa e a América do Sul, ou entre a China e a Austrália. As diferenças entre os continentes foram gestadas ainda durante a pré-história e, muito provavelmente, cimentadas pelos cascos dos animais domésticos exclusivos do Velho Mundo.

Essa ideia poderosa não é nova, mas pode se fortalecer ainda mais depois da publicação de uma análise interessantíssima na revista científica "Nature". Uma equipe capitaneada por dois pesquisadores americanos –Timothy Kohler, da Universidade do Estado de Washington, e Michael Smith, da Universidade do Estado do Arizona– decidiu tentar achar um método relativamente objetivo para medir os níveis de desigualdade social em 64 sítios arqueológicos espalhados pelo planeta.

Antes de mais nada, consideremos a tal metodologia. Kohler, Smith e companhia adaptaram para seus fins o célebre coeficiente Gini (assim chamado por causa de seu criador, o sociólogo italiano Corrado Gini, que morreu em 1965). Esse coeficiente mede quão desigual é um grupo de seres humanos, com base na disparidade de bens entre seus membros, e vai de 0 (perfeita igualdade, todo mundo tem exatamente as mesmas posses) a 1 (completa desigualdade, os bens do grupo estão nas mãos de um único sujeito).

Só tem um problema: não existia imposto de renda no Neolítico (a época posterior ao começo da agricultura e anterior à descoberta da metalurgia). Os pesquisadores dos EUA resolveram, portanto, apostar no tamanho das casas como instrumento de medição da riqueza. Afinal, um assentamento que só contava dezenas de casas de dimensões modestas provavelmente era mais igualitário que outro no qual muitos casebres podiam ser vistos ao lado de um punhado de residências grandiosas.

Na análise, foram incluídos sítios arqueológicos da América do Norte e da América Central, de um lado, e da Europa, da Ásia e da África, de outro. Quando todo mundo ainda é caçador-coletor, no passado remoto, temos o esperado: pouca desigualdade. Isso começa a mudar em ambos os lados do Atlântico assim que a agricultura entra no cenário, mas a disparidade no tamanho das casas é muito mais comum na Eurásia - em lugares como Pompeia ou a cidade da Babilônia, por exemplo.

Por que diabos as sociedades antigas da América seriam, em média, menos desiguais? A diferença crucial entre as duas massas continentais é a presença de mamíferos domésticos de grande porte do lado europeu e asiático, propõem os pesquisadores. Porcos, vacas, cabras e ovelhas adubavam o solo, davam carne, leite, couro, lã –e eram um tipo de riqueza móvel que podia ser monopolizado por certas famílias. Cavalos e camelos, quando cavalgados, viraram os tanques de guerra da pré-história, criando elites guerreiras que subjugavam camponeses com facilidade.


Do lado de cá do Atlântico, quase todos os grandes mamíferos que podiam ser domesticados se extinguiram no fim da Era do Gelo (com exceção das lhamas e alpacas dos Andes, região não coberta pelo estudo). O resultado foi uma trajetória de desenvolvimento bem diferente - que deixou os indígenas vulneráveis diante da civilização movida a bichos domésticos dos europeus. Um único fator decidido pela sorte tem, portanto, um impacto desproporcional no mundo em que vivemos hoje.

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