sábado, 29 de junho de 2013

Uma lição do aprender

J.J. Camargo:

O que ensinamos sem perceber

Mesmo sem querer, às vezes passamos lições que não estão nos livros

 
J.J. Camargo: O que ensinamos sem perceber  Edu Oliveira/Arte ZH
Foto: Edu Oliveira / Arte ZH
J.J. Camargo*
*Cirurgião torácico e chefe do Setor de Transplantes da Santa Casa de Misericórdia
A individualização de um cliente ou um paciente é um pré-requisito básico na conquista de sua estima e afeição. Por isso, errar o nome de alguém machuca tanto e tão irreparavelmente.

Chamar alguém pelo nome, em vez de "vozinho" ou "seu" ou "meu senhor", é uma introdução de dignidade na relação com qualquer pessoa, não importa o quanto ela seja famosa ou desconhecida. E mais ainda se ela for desconhecida.

As apresentações improvisadas, que vão desde o chulo "cara!" até o falso galante "madame", não são mais do que arremedos de um introito que nasce marcado pela vulgarização.

Chamar alguém pelo nome é antecipar que se dará importância à relação que se inicia.

E não importa que alguns considerem antiquado: apresentação que se preze exige alguma solenidade, esse ingrediente indispensável na construção do respeito.

O Ivan é um estudante de 5º ano da Faculdade de Medicina da Bahia e, durante dois meses, estagiou na cirurgia torácica da Santa Casa. Cara limpa, atento, disponível, carinhoso no trato com as pessoas. Um mês depois, ao abrir a caixa de mensagens, encontrei um e-mail dele, relatando uma experiência pessoal interessante:

"Queria muito lhe agradecer pela oportunidade de estagiar no seu maravilhoso serviço, mas até esta sexta-feira eu não sabia o que dizer. Então, começando um estágio na medicina comunitária, aqui em Salvador, atendi à dona Rosângela, uma deficiente visual de 34 anos, com seu filho Gabriel, um recém-nascido com 15 dias de vida. Concluída a consulta, ela me perguntou onde eu estava e, olhando na minha direção, perguntou
:

— Doutor, qual é mesmo o seu nome?

— Ivan Campinho, Rosângela.

— Você se incomodaria se lhe pedisse para atender meu filho enquanto você estiver nesse serviço?

— Mas é lógico que não!

— Essa foi a primeira vez que um médico me identificou pelo nome e não como a gestante com deficiência visual.
Professor, fiquei com vontade de contar a ela que tinha aprendido isso no seu serviço, onde os residentes discutem os pacientes pelo nome, sem chamá-los pela doença e, mesmo assim, todos sabem de quem e do que estão falando.

Esse cuidado tinha sido ensinado no começo do curso, mas acho que fui esquecendo. Ao passar por um serviço de ponta, onde os médicos mantêm esse tipo de preocupação, pude perceber o quão ‘mecânico’ eu havia me tornado e como essas atitudes fazem diferença para aqueles que nos procuram, fragilizados e aflitos por uma doença qualquer.

Muito obrigado por me ajudar a abrir os olhos para o que realmente importa."

Desliguei o computador, sem ler as outras mensagens.

Estava cansado, tinha sido uma semana difícil, e não havia a menor chance de que alguma delas pudesse ser mais gratificante.

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